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24 de outubro de 2006

A TAL DA COMUNICAÇÃO





Escutar o outro, só se você se apropriar do assunto que ele aborda. Para isso, faz-se o seguinte: se interrompe a narrativa para trazer as palavras para o seu redil, já que é inadmissível que o interlocutor domine a conversa. Quebrando as frases com perguntas que vão levar o tema para o seu território, você consegue desatar o foco e então fica fácil dar xeque mate: dispersar o que o outro está dizendo e impor a sua própria versão, não obrigatoriamente sobre o que se está falando, mas principalmente sobre outras áreas. Assim você esvazia o camarada e fica dono da conversa.

ENTÃO - Se o cara insistir, finja que não está entendendo nada. Se estiver em grupo, olhe para quem está a seu lado com a expressão de "o que esse sujeito está dizendo"? Fazendo isso várias vezes, você consegue eliminar a concorrência e assim pontificar sempre. Usar o grupo é muito eficiente. Você está conversando com os camaradas, chega alguém e todos fazem súbito silêncio. É mortal. Outro expediente ótimo é vibrar profunda indiferença, sem sequer virar o rosto na direção de onde vem a voz. Ou então carregar o cenho e olhar fixamente, mas sem prestar a atenção. Só depois de o cara terminar de falar, você diz: então..e recomeça o papo no ponto em que você parou, sem dar a mínima importância para a interferência da pessoa que está na sua frente.

MARX - Quando cheguei na idade universitária, nos anos 60, a moda era a palavra comunicação. O cineasta da falta de comunicação era o Antonioni. A comunicação na sociedade de consumo, diziam. Sabemos onde foi tudo isso parar, em ditadura. A comunicação concentrou-se no monopólio e o consumidor substituiu o cidadão. A moda era para peitar as ciências humanas orientadas pelo marxismo. Deu certo. Hoje você fala em Marx e as pessoas têm urticária. Não deveria. Marx é leitura obrigatória, como qualquer pessoa letrada sabe.

ISSO - Hoje estamos às voltas com a complementação automática das frases, o que é absolutamente anti-científico. A cultura digital ajuda: quantas vezes o word completa suas palavras? Jamais você pode escrever ISO 9000, sai sempre ISSO (você precisa voltar e corrigir). É assim com as pessoas: você inicia uma frase e sempre tem alguém completando. O recado é simples: o que você fala não tem importância, eu já sei, já vi no google.

MAPA -Esse caos chega ao esplendor na política. Não há diálogo, só interesses. Não há informação, apenas ataques e denúncias. O país vai a bancarrota, deve os tubos, cerca-se de violência e miséria e os caras estão às voltas com o próprio umbigo. É que nada resta a fazer entre os políticos, senão cuidar da própria vida. O país já foi rifado e nada mudará. Há prefeituras que se destacam, mas no geral é a decadência urbana e rural. Crescendo apenas mais do que o Haiti, que é miserável e está em guerra, o Brasil é a frustração do mundo. Mas ao mesmo tempo é o seu rabo. Num mapa mundi biológico, em que o Brasil ocupa o rabo (vejam a página O Olhar estrangeiro, na Folha de domingo: o que aparece? Mulheres, bundas), os Estados Unidos são o grande nariz cheirador, a China são os braços que a tudo querem abarcar, as orelhas (grandes) são da Inglaterra, as bochechas rosadas são da Alemanha, os ombros são da Itália e suas estátuas clássicas, os pés são os países africanos. E assim por diante. Complete o mapa.

RETORNO - Imagem de hoje: O Brasil, pela lente de Marcelo Min.

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