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3 de junho de 2006
A SESSÃO CONTINUA
Hoje publicamos análise de autoria de Ida Duclós sobre o filme Sin City. Este jornal, que atualmente promove um mergulho no cinema contemporâneo, abre assim seu espaço para colaborações. É uma forma de os leitores do DF avançarem o sinal e ultrapassarem os limites do comentários, rumo a textos mais aprofundados sobre o que está sendo visto. Ontem, o Cine Diário da Fonte promoveu a sessão Paradise Now, a estranha e demolidora obra sobre dois voluntários da luta palestina. Hoje, foi dia de Crash, de Paulo Haggis, o vencedor do Oscar de melhor filme e amanhã, vamos assistir Lavoura Arcaica, baseado na obra imortal de Raduan Nassar. É cinema para mais de metro, que terá múltipla abordagem aqui.
UMA NAÇÃO SEM PERDÃO
Ida Duclós
Não existe tons de cinza no filme Sin City, a cidade do pecado. O contraste entre branco e o preto é quase excessivo, chapado, brilhante. A luz não penetra nas trevas que dominam a cidade do pecado, não é mais possível nuances entre o bem e o mal. "There's no choice left. And I'm ready for war", diz o personagem Marv, interpretado por Mickey Rourke".
A cidade - localizada em algum lugar incerto no oeste norte-americano ? está na mão da máfia liderada pelo Senador Roark, que sonha em fazer de seu filho Roark Jr, o futuro presidentes dos Estados Unidos. Não importa que Jr seja um pervertido, que seqüestre, torture e estupre crianças. Para o senador, o importante é que sua linhagem mantenha e conquiste sempre mais poder. Os predadores agem soltos pela cidade e são acobertados pela polícia corrupta. A fazenda da família Roark é o refúgio de outro sociopata, Kevin, que pratica antropofagia em suas vítimas. Quem ainda se lembra Anthony Hopkins no papel de Hannibal, não vai ficar muito horrorizado com Kevin, o assassino que é utilizado pelo irmão do senador, Cardeal Patrick Roark.
A extrema violência do filme é estilizada no estilo das histórias em quadrinhos, tiros e explosões não bastam para matar, monstros e heróis continuam vivos na cena seguinte. Frank Miller desfila todos os clichês dos filmes e da literatura noir de forma caricata, numa espiral crescente de perversões, para mostrar que tudo é irreal em Hollywood. Miller desconstrói a banalização da violência e da crueldade - tão comum no cinema americano - mostrando que isso é feito com o objetivo de anestesiar e atordoar os espectadores. A ideologia por trás dos filmes americanos que se espalham pelas telas de mundo inteiro, cria uma violência massacrante e fictícia. E isso serve para tornar mais fácil a dominação do império americano pela mentira.
"Power don't come from a badge or a gun. Power comes from lying. Lying big, and gettin' the whole damn world to play along with you. Once you got everybody agreeing with what they know in their hearts ain't true, you've got e'm by the balls. Tell anybody the truth and they're dead!", diz o Senador Roark para o detetive John Hartigan, interpretado por Bruce Williams, o único policial honesto da cidade.
O filme de Miller está cheio de referências aos mestres da literatura e do cinema policial. Nancy Callahan, a menina que Hartigan, salva das garras de Rourk Jr, tem o mesmo sobrenome do personagem mais famoso de Clint Eastwood. Assim como o personagem de Bruce Williams lembra Terry McCaleb, o veterano agente do FBI do filme Dívida de Sangue, interpretado e dirigido por Clint. Ambos perseguem um serial killer, as vésperas de uma sonhada aposentadoria e de um infarto iminente. Nancy adota o codinome da heroína que ela mais admira, a detetive dos livros de PD James, Cordélia Gray. E é como uma verdadeira Cordélia que ela dribla a máfia do senador, crescendo sem deixar rastros da sua passagem para não colocar sua vida em risco.
O amor entre Nancy e Hartigan é selado no hospital para onde o policial veterano é levado depois de ser baleado inúmeras vezes por seu parceiro corrupto, o detetive Bob. "Eles não me deixaram dizer a verdade, eles não me ouviram", grita a menina. Hartigan responde: "Sometimes the truth doesn't matter like it ought. But you'll always remember things right. That's gonna mean a lot to me". Nancy é a única personagem inocente no filme e por ela Hartigan vai dar sua vida. "Uma jovem por um velho, é uma troca justa", diz ele no final do filme. Qualquer vestígio dos tempos antigos precisa desaparecer para nascer novamente a esperança. O filme faz uma caricatura de um país que perdeu sua alma, de uma nação que não encontra perdão e por isso não consegue aliviar sua culpa.
RETORNO - Ida faz a seguinte dedicatória neste texto: "Para Daniduc, que me apresentou Frank Miller, me fez refletir sobre o filme e de quem utilizei muitas 'sacadas'".
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