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10 de novembro de 2005
ANTHONY QUINN, O BRUTO QUE AMA
Empurrado para papéis subalternos, devido à sua origem (mexicana com irlandês), Anthony Quinn confirma o que me disse Miguel Ramos: não existe papel coadjuvante. Basta vê-lo em Viva Zapata (papel que lhe valeu o primeiro de dois Oscar), onde convence que é irmão de Marlon Brando; ou em Lawerence da Arabia, quando dá aquele bocejo espreguiçado ao lado do reflexo da lua cheia, ou quando mantém uma negociação guerreira memorável com Peter O'Toole antes da invasão de Akaba. Quinn é o bruto que se arrepende de não ter demonstrado seu amor. Isto está explícito em La Strada, de Fellini, quando ele, Zampano, descobre que a maldade era apenas uma máscara e que no fundo jamais poderia viver sem ela, Giuleta Masina, que tinha se ido para sempre. Se existe solidão verdadeira no mundo, esta é a de Quinn na praia desolada, no final do filme, onde se comporta como o lobo que uiva para o caos. Em Duelo de Titãs, faroeste de John Sturges de 1959, ele é o malvado que se arrepende, na hora da morte, de não ter criado direito o filho assassino. O que significa essa queda, essa reversão da caratonha, essa lágrima que sai a muito custo, depois que tudo está perdido? O que é Anthony Quinn, o ator que nos asssustou com sua gargalhada vinda de uma gruta?
MESTIÇO - Quinn é o bruto que ama. Ele encarnou o papel que lhe impuseram, o do mestiço ameaçador num mundo de branquelos. Fez isso como ninguém, em inúmeras bobagens, especialmento no início de carreira. Acabou conquistando a filha de Cecil B. De Mille, Katherine, um dos seus três casamentos. O bruto tinha charme e, o que era mais importante e que poucos viam, inteligência que valorizava o talento. Tinha carisma, mas isso não lhe bastava. Ele precisava introjetar aquela persona maldita, dar-lhe vida verdadeira, dizer que era um ser injustiçado, capaz de uma reação violenta, de um gesto que mudasse o destino. Seu sobrolho era o sinal de que a rocha produzia pensamento. Mas isso também não era suficiente. Quinn também precisava mostrar que para ser humano não precisava posar de galã nem fingir que era uma criatura privilegiada pela riqueza ou a raça. Poderia ser alguém do povo, conformado e fatalista e que oferecia seus serviços a um inglês empolado. Visto assim, esse interpretação poderia ter tudo de caritcatura, mas ele nos deu Zorba, o Grego, sua melhor performance. Ele inventou aquela dança, que tornou-se marca registrada da nação que representou. Nunca se viu isso antes. Vimos ao vivo como se constrói o folclore, que sempre foi uma ciência de letrados que reinventam as manifestações populares. Quinn inventou a marca registrada de um povo. Quem não é do ramo, acha que aquilo é Grécia pura. É porque Quinn assim decidiu. Esse é o criador magistral que de 1915 a 2001 passou pela terra como uma tempestade no deserto.
VULCÃO - Hoje, quando vivemos a época da idiotia cultural, em que só há maldade pura e simples (porque os politicamente corretos querem ser verdadeiros), em que tudo é pão-pão-queijo-queijo, em que atores e atrizes são produzidos em massa pelo mercado da carne da moda e da televisão, tempo de metrossexuais e gângsters em todos os negócios, Anthony Quinn se sobressai como a imagem completa de uma arte que não sucumbiu às imposições do tempo, apesar de fazer parte dele (ninguém está na frente ou atrás da sua época). Sua sofisticação se agiganta diante dos maneirismos cool da atualidade, em que todos se parecem e nada tem mais do que um milimetro de profundidade. Quinn fechava uma geladeira com os pés, batia em todo mundo, rosnava, e foi assim que mostrou todas as nuances do humano, sem se render à pasteurização, à modorra. Ele era um lugar comum: um vulcão em cena. Contracenou com todos os grandes atores e tornou-se um deles. Duvido que seus parceiros de tela não tremessem diante da sua fúria. Foi assim que ele tornou-se inesquecível, com seu grande coração oculto sob uma avalanche de granito.
RETORNO - O Diário da Fonte ganha mais uma janela na mídia impressa. Everaldo Jacques, diretor de redação do jornal A Cidade, de Uruguaiana, vai começar a publicar alguns textos deste espaço numa coluna exclusiva. A acolhida dos conterrâneos é a melhor notícia que um escritor pode esperar.
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