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28 de setembro de 2005
O POUSO INTRANQÜILO
Dois livros chegam graças ao fim da greve dos Correios. O primeiro é A Terra dos longos olhares (Editora Holoedro), organizado pela professora Lucia Silva e Silva, da Uergs, e que enfeixa contos, crônicas, poemas e até um minidicionário, de 30 autores de Uruguaiana, um trabalho que revela a força, a diversidade e o alcance da literatura gerada pelos nascidos naquela fronteira. O outro é o aguardado Quando alegre partiste (Editora Francis), de Moacir Japiassu, que tem como subtítulo "Melodrama de um delirante golpe militar", que é, exatamente, o famigerado (de famoso) golpe de 1964. Tenho a honra de ser o autor da orelha deste que é o terceiro romance do mestre considerado por todos nós e que tem como prefaciador o Augusto Nunes. Estou muito bem acompanhado: no livro feito no pampa, compareço com aquela pescaria inesquecível, meio memória, meio ficção, que está ao lado de textos surpreendentes dos meus pares, que vou comentar aos poucos por aqui; e no lançamento do Japi, faço parte da seleção brasileira, pois junto com Nunes, que é top de linha do jornalismo pátrio, apresento este que é um dos maiores romancistas do Brasil. Tenho muita sorte. Japi, Tabajara Ruas e Urariano Mota, exatamente o trio de grandes escritores que hoje dispomos, são meus amigos. Mas o que quer dizer o título desta edição do DF?
LUCIDEZ - Em dois textos de apresentação, um na orelha e outro no prólogo, a professora Lucia Silva e Silva nos brinda com lúcida intervenção. Diz, primeiro, que nesta época de desenraizamento (ela prefere o termo globalização), estamos vivendo um resgate de origens, que contraria a tendência anterior, quando precisávamos ganhar o mundo. Com isso justifica o lançamento: "Juntar escritos de conterrâneos em um livro, mais do que um simples encontro, é pactuar pela sobrevivência de valores cujo desaparecimento nos atemoriza. É lançar a pedra fundamental de um lugar aonde podemos voltar". E, depois, ao justificar o título do livro, ela nota que a campanha gaúcha nos leva a aguçar o olhar, "na maioria das vezes sem interrupções, sem a oportunidade de pouso tranqüilo". Li alguns textos do livro. De cara, ou de primeira, como dizemos lá, destaco a presença de Pedro Augusto Grassi, assunto recorrente na casa dos meus pais, advogado e jornalista, que conta como a cidade reunia personalidades como Monteiro Lobato ou José Lins do Rego na passagem para os países do Prata. Alberto Moura, que mostra as origens dos nomes das ruas da cidade, lembra que a Guerra do Paraguai foi a principal inspiração para a escolha e lamenta a falta de critérios que ultimamente descaracteriza o mapa urbano. O que é preciso também destacar é a radicalidade dos textos, fruto do pouso intranqüilo de viventes como nós sobre temas como sexo, humor, violência, destino, infância. Ricardo Duarte, com sua cena de um pacto tremendo, me surpreendeu à primeira leitura. Mas tem muito mais. Fernando Pereira da Silva sobra na sua narrativa cheia de detalhes sobre a ilusão provocada por olhares fechados na vida monótona e que enxergam o que não existe em personagens de fora . Colmar Duarte cria o suspense de uma briga provocada por mulher e desveste a vaidade de uma coragem flagrada numa situação limite. Continuo a comentar amanhã.
ORELHA - Hoje, prefiro reproduzir aqui a orelha que fiz para o livro de Japi. Diz o seguinte: "A literatura escancarada deste livro abre um rombo no pano de fundo da História. Nessa brecha Moacir Japiassu coloca sua manopla de ourives e de lá arranca os cabelos da Medusa. As cobras criadas expostas ao leitor ainda se contorcem e exalam o mau cheiro da Memória. A colheita não é uma estante arrumadinha, mas a espiral de uma insônia regada a bolero, tango, samba-canção, tabaco e álcool.
Não se trata de copidescar esse texto ruim conhecido como golpe de 1964, ou criar a reportagem das gerações colhidas pelo Destino. Mas sim descobrir a composição de um improviso, os fatos que amargaram toda uma época, dispostos numa feira que tranca a rua e é impossível de ignorar.
Por ser do ramo, Japiassu nos revela como a imprensa, nos trechos transcritos ao longo do livro, foi acumulando camadas de mistificação enquanto o corpo dos protagonistas, as palavras usadas em cada capítulo, mofam nas prisões, somem de apartamentos e redações e cruzam barreiras em direção ao exílio. A partitura não leva ao lamento, nem ao berro, já que o artífice que enreda o leitor não descuida de sua mira. A peça exibe a sonora investida de uma sabedoria, que começa pela sobrevivência e atinge o esplendor pela escolha dos tambores.
Este é um romance que faz barulho pela natureza de barco cruzando pelo avesso a corredeira. Pela invasão de humanidade em pleno feriado nacional da consciência. Pela crueza do testemunho servindo de repasto para um ofício maldito. Faz maré pelo que detona, a partir de uma juventude que aprendeu a morrer. E de uma esperança que prefere ser brutal a ser senil.
Este é um livro cruel pelo que nos diz frente a frente. Como um irmão que nos conhece há tempos. Como um guerreiro que sabe a hora de partir. É quando ele nos revela que não há conforto na despedida. Mas que ainda temos uma chance, quando cultivamos mais do que a vingança, e atingimos a plenitude de uma selvagem alegria". (Nei Duclós)
RETORNO - A professora Lucia dá o crédito devido a Vera Ione Molina e Ricardo Peró Job, que além de fazer parte dos autores reunidos no livro, lideraram os trabalhos. Vera e Ricardo, criadores do caderno cultural Encontro, são também responsáveis, junto com o jornalista Francisco Alves (autor de Quente & Frio, que está no livro, conto sobre hilário assalto em Porto Alegre) são responsáveis pela revista Fronteira Livre, que está ótima. São agitadores culturais tão dinâmicos que produzem mais do que podemos comentar numa só edição do DF.
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