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7 de setembro de 2005

FICAMOS SÓS, COM A PÁTRIA




Nei Duclós

Agora que todos se revelaram, os que usaram a nação em proveito próprio, primeiro os que nos impuseram as patriotadas, depois os que não acreditavam em soberania, agora que a máscara caiu e esgotaram todo o seu estoque de mentiras, neste longo e penoso processo que nos deixou nus no território em ruínas, agora que somos apenas a sombra do que poderíamos ser, que nossa desesperança corre o risco de jogar fora o que temos de mais importante, agora que estamos sós como ninguém ficou só neste mundo dominado pelo obscurantismo e a barbárie, agora que nos tornamos refugiados nos acampamentos sem lei, que estamos na mão dos poderosos organizados em quadrilhas, que nosso patrimônio se esvai em malas e contas no Exterior, agora que não vemos mais sentido em hinos e bandeiras, e que estamos cansados de ver o país sendo vilipendiado pelos que deveriam sustentá-lo e defendê-lo, agora que temos seqüestrado nosso futuro, que sabemos o que fazem com nosso voto, agora que lembramos os amigos que morreram nas patas dessa canalha, agora que notamos o quanto perdemos, e o quanto tínhamos para construir, pois agora é a hora de dizer o que ficou de definitivo: somos a pátria que negaram.

DESERTO - Temos no bolso vazio o Brasil Soberano, porque é assim que queremos ser, é assim que decidimos fazer, é assim que teimosamente nos colocamos diante do cosmo ruim e o furacão bandido. Estamos sós pelo que tínhamos de força, mas somos únicos com nossa garra afiada de grandeza. Pátria amada só por nós, salve, salve. Que desse último amor não façam insumo para suas fábricas de horrores, que essa vingança suprema não alimente os lobos, que essa dor de não sucumbir faça-os emudecer para sempre. E caiam fora! Tiveram todas as chances, agora nos deixem com a preciosidade que criamos pela vida, que não nos consola, porque todas as mortes nos pesam no ombro, mas nos liberta, porque essa vontade é a que transformamos em dura semente, que rebenta no solo duro que virou deserto e assoma como um pássaro ferido sob o sol da manhã da inevitável liberdade.

FÉ - O ar soprou as velas pelo mar para inventar o Brasil. A terra acolheu os fugitivos do continente perverso. O machado derrubou a madeira que virou tinta em brasa. Negros, índios e mulatos em armas expulsaram os estrangeiros. O Brasil torna-se centro do Reino em 1808 e rompe com o jugo imposto pela Revolução do Porto de 1820. O príncipe tira a espada e grita. Os voluntários morrem no Paraguai ensangüentado. A degola impõe a República e o povo mobilizado derruba a ditadura em 1930. Um presidente se mata, um louco renuncia, um pacificador é derrotado, um guerreiro adia o golpe e a noite cai em 1964. Desse terror ainda não nos livramos. Acreditamos demais em nossas passeatas, empoderamos os guerrilheiros que clonaram os ditadores, colocamos todas as fichas no professor que vendeu o país e no falso operário deslumbrado com a própria biografia. Agora as ruas estão silenciosas e os oportunistas de sempre voltam a berrar seus slogans que sabemos para onde nos levam. Por isso abrimos a janela no sete de setembro e gritamos para o horizonte: somos o que resta desta batalha perdida, nosso corpo violado pela palavra corrompida, nossa alma em frangalhos, nossa contundência tratada como palhaço de circo. Apontam para nós e riem. Desarmados, avançamos contra as barreiras. Não temos mais medo de suas baionetas, de seus canhões, de suas granadas. Venham nos pegar, já que não conseguiram tirar o que realmente temos.

ALIMENTO - O que possuímos é esta nação construída a ferro e fogo, essa música hoje sepultada, essa literatura em carne viva, essa política de indivíduos temperados por uma luta jamais reportada, mas que é real como a chuva, que encharca e semeia, que inunda e nos obriga a colocar nas costas o que seremos um dia: um povo que a bandeira empresta para que haja paz no Tempo, para que haja flor na lua, para que haja um gesto eterno, fundador permanente da pátria, palavra que é o pão de cada dia. Nessa mesa comum, somos a chance da solidariedade, somos o momento supremo em que os deuses se curvam, pois deles não tiramos o alimento, mas de nós mesmos, brasileiros de todas as lutas, merecedores da mais ardente vitória.

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