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20 de julho de 2005
A QUADRILHA DAS PALAVRAS
Uma das desvantagens de morar fora de São Paulo é não ter acesso à massa de informações que a querida cidade nos despeja diariamente, não apenas pela mídia disponível, mas principalmente pelo contato direto com as pessoas que conhecem a matéria (o Brasil). Para conseguir um grande jornal por aqui é preciso, primeiro, dispor de recursos, já que o preço é bem maior, e de tempo, pois os poucos exemplares que chegam somem das bancas. Tem a internet, dizem, mas ainda não inventaram nada melhor do que a mídia impressa para seguir os acontecimentos, já que ler no micro é um desafio para os olhos cansados. A TV, bem, a TV...O que nos chega são falas compostas de maneira ordenada, para que tenhamos a ilusão de que as coisas correm sob controle. Mas sabemos que situação disparou como gado fugido do curral e não há laço que segure. Encaro a informação manipulada que é distribuída para o país como uma quadrilha de palavras, que nos assaltam a consciência com suas artimanhas, mentiras, representações e promessas falsas.
VERSÕES - A quadrilha é composta, primeiro, pelas falas da direita, que está tirando o máximo proveito da situação que ela mesma criou em séculos de poder. Depois, pelas versões mutantes dos envolvidos, que tentam incriminar uns aos outros, chegando ao cúmulo de o presidente colocar-se como alguém fora do PT. Há também como destaque as investigações feitas por pessoas sem a isonomia necessária para avaliar os problemas. É a velha história da raposa cuidando do galinheiro. O mais grave é que as palavras ajudam a solidificar a idéia de que o povo não sabe votar, que não tem preparo para governar, que os politicamente corretos são um súcia, que a esquerda é vil e que os guerrilheiros tomaram o poder e fazem a desgraça do Brasil. Como diria o inesquecível Tarso de Castro, é tudo mentira, claro. Ver a Hebe Camargo exibindo uma enorme cueca branca com a estrela do PT tirada de uma mala é de uma ignomínia sem fim. A baixaria se traveste de guardiã dos costumes e as esperanças de democracia vão para o ralo. A massa de militantes da esquerda que confiaram em seus líderes e a população que acreditou na possibilidade de mudança estão à mercê dos abutres de sempre, que usam mídia, com culpa no cartório, como aríete contra os avanços do país continente. Mas nem tudo é horror na imprensa: temos jornalistas competentes e neles depositamos nossa confiança.
PUBLICIDADE - Na base do embrulho está a publicidade oficial ,intermediária da corrupção e especialista em manipulação das palavras. Uma publicidade desnecessária: por que o governo tem de fazer propaganda de si mesmo? Para manter-se no poder? E a nação que se lixe? E há ainda o falso moralismo, os pastores auto-imputados como paradigmas da virtude. Esta crise é uma facada mortal nos que adoram servir de exemplo para os outros, mas o tiro poderá sair pela culatra. Quem ficou na sombra, depois dos sucessivos governos desde 1985, que dilapidaram completamente o país exausto, agora aflora com suas grandezas no bolso do colete. Existe enorme grita contra essa manipulação, especialmente dos grandes articulistas, como Alberto Dines e Mauro Santayana. Mas é pouco, atinge uma parcela muito pequena da população. O sistema de comunicação é o braço direito do estamento financeiro e político, como provam as denúncias. O PT colocou-se no miolo do problema e agora paga caro por isso. O carisma da sigla foi para o ralo. Foram desmascaradas suas boas intenções, que serviram para os aproveitadores comprarem coisas em malas de dinheiro. A terceirização, esse recurso da modernidade para enxugar custos e aumentar a eficiência, foi usado como partilhamento do patrimônio publico e abriu inúmeras crateras por onde escoa o Tesouro Nacional. Ou não é isso que diz a mídia?
MORALIDADE - É difícil manter o equilíbrio numa situação perigosa, não para a democracia, que democracia não temos, mas para o tecido social. Vi como se comportam os cidadãos marginalizados e furiosos no grande saque ao comércio em São Paulo de 1982. Nunca fiquei tão apavorado. Vimos naquela época como é frágil o equilíbrio, basta uma fagulha para incendiar o seco milharal. Para quem sonha com revoluções, posso garantir: não existe situação pior. Quando li Emile Zola sobre a Comuna de Paris, em que malfeitores armados cobravam pedágio em todas as esquinas, lembrei de 1982. Também vi um dia um documentário sobre os saques populares na África: não são da esquerda nem da direita, disse uma fonte. São os vizinhos que pilham as casas próximas, são a massa que a tudo destrói. Valha-nos Deus. Como diria Stanislau Ponte Preta, "ou nos locupletemos todos ou restaure-se a moralidade". Nota: ele não falou em moralismo, essa doença infantil da consciência culpada. Mas em moralidade, esse acordo entre cidadãos para uma vida harmoniosa.
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