O ar está quente, disse um garoto às oito da noite, quando a praia deveria oferecer um clima um pouco mais amigável. Surfistas e pescadores confirmam: o mar está estranho. Repuxos diferentes, correntes inéditas, uma espécie de mau comportamento do gigante de sal, ferido de morte em outro canto do mundo. Notei que a água está morna, em qualquer hora do dia. Acabou aquele refresco de onda e espuma. O sufoco é tão pesado que nenhuma ameaça de chuvinha de verão resolve. A terra mudou seu ponto de aglutinação, dizem os castañedistas. Mas se o litoral está assim, diferente, o Brasil continua igual. Basta ver o tour dos amiguinhos do filho do presidente Lula.
TIGRADA - Não dispomos de classe média, nos diz Mino Carta. Classe média é um conceito europeu e lá as pessoas sentem orgulho de estarem no meio, vivem bem assim e possuem direitos conquistados com luta, negociação e voto. Aqui, não. Temos apenas os miseráveis de um lado e do outro, a aristocracia. Meu pai é dono disso tudo, deve ter dito o filhinho do presidente para seus 14 amigos que usaram avião da FAB, lancha da Marinha, dependências da Granja do Torto e outros acecipes do dinheiro público. A classe média força a barra para ser aristocrata por isso não acha bem (como se dizia nos anos 50) reclamar de qualquer coisa. Opor-se é coisa de pobre. Não chore, me dizem toda vez que me oponho frontalmente a alguma coisa. Quem se aproveitou dessa mentalidade foi o jovem que cuidava de um cativeiro onde ficou por 21 dias um empresário paranaense seqüestrado. De pés e mãos amarrados e com venda nos olhos, foi tratado a uma fatia de pão por dia. Implorava por comida. Mas o garotão fez o seguinte para abafar os gritos da vítima: colocou o som bem alto. Os bandidos tinham alugados um casarão num bairro metido a chique e os vizinhos não piaram contra a contravenção. O baticum criminoso encobria um crime hediondo. Soube hoje pelo Diário Catarinense que os estrangeiros que compram apartamentos em Floripa exigem isolamento acústico. Sabem da doença social do Brasil, a do som que extrapola todos os decibéis e é colocado na maior caradura pelos meliantes de sempre. Os donos das imobiliárias tremem de emoção ao informar sobre essa exigência estrangeira. Adoram servir os gringos. Deveria ser por lei o isolamento acústico e prisão para quem fizer barulho. Ruído insuportável em veículos automotores dá punição, prevista no Código Penal. Mas são todos gente fina, ninguém diz nada. Pois o importante é manter as aparências: a mente inquieta, o nariz ereto e o muxoxo intranqüilo. Mas aposto que basta o mar ameaçar com alguma coisa, sai todo mundo no pega para capar. Aí cai a máscara da aristocracia fajuta que nos assola. A tigrada, como define Mino Carta.
CONVÍVIO - Converso com minha filha na varanda abafada e descobrimos o quanto perdemos de alegria da convivência com as pessoas, pois normalmente todo mundo gosta mesmo é de exibir status, ser mais que os outros de alguma forma. Se não são posses ou dinheiro, é conhecimento e sabedoria ou realização profissional, ou tudo isso junto. Lembro do meu pai com a casa cheia, no maior divertimento. Havia os conflitos e as defecções (gente que nunca mais aparecia), mas existia muito mais tolerância, imagino. Hoje, as visitas gostam de aplicar as famosas dizidas sobre tudo, especialmente sobre como os outros (nós) deveriam viver. O que mais se força nos monólogos concomitantes (já que vivemos na era do fim diálogo) é a disposição de enquadrar os outros em papéis sociais subalternos. Alguns sinais são evidentes: Tudo bem? nos perguntam. Respondemos que sim, tudo bem. Mas tudo bem, MESMO? dizem, como a declarar o quanto estamos necessitados de tudo, o quanto fomos sempre pobres e jamais alcançaremos outro status que não esse, precário e nefasto, o quanto procuramos esconder, em vão, nossa profunda miserabilidade e o quanto a pessoa é muito superior e pode até fingir que está ali para ajudar. Mas ninguém ajuda, com raríssimas exceções. Quando me perguntam tudo bem mesmo eu coloco sempre a Véia no meio. É bom invocar a mãe alheia, assim calam a boca. E nem tente ficar impune com alguma ação criativa na sua vida. Decidiu mudar e se deu bem? És culpado. Os outros poderão te depedrar de alguma forma. O espírito do capitalismo, me disse um dia Eduardo San Martin, não é vencer, mas evitar que todos os outros vençam. Bingo.
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