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23 de agosto de 2004
A FALA DOS SOBREVIVENTES
O documentário de 45 minutos, dirigido por João Guilherme Barone, O dia em que o Brasil parou, sobre a morte de Getúlio Vargas, e que foi ao ar ontem, domingo, pela RBS, honra a TV brasileira e é uma valiosa aula de História. Totalmente fundado nos documentos vivos que são os sobreviventes da tragédia (como algumas exceções, como a do jornalista e escritor Flavio Tavares, que acha Lacerda genial), a obra vale pelo conjunto de revelações, como a reconstituição dos funerais e o impacto do suicídio na vida pública do país.
PERFIL - O telespectador fica sabendo que Oswaldo Aranha ficou duas horas discursando e batendo no caixão enquanto a massa aos prantos a tudo assistia. Vê então as imagens da grande destruição provocada pelo povo em revolta tanto em Porto Alegre quanto no Rio de Janeiro. Conhece melhor a personalidade de Getúlio, afável, bondosa, bem humorada, cheia de grandeza até na intimidade, bem ao contrário do retrato de ditador horrível e mau que pintaram em todas essas décadas em que destruíram sua obra e arrasaram com o país soberano. Ficamos sabendo da fidelidade de Getúlio à Constituição, ameaçada sempre pela direita, a sua visão de estadista, sua ligação profunda com o povo brasileiro. Uma revelação magnífica é o fato de que dentro da própria família Getúlio recebeu a mais poderosa lição de tolerância, pois sua mãe era federalista e o pai, republicano. Essa harmonização dos contrários com que foi criado serviu de parâmetro para sua grande obra política, que foi a pacificação do Rio Grande do Sul e os fundamentos do Brasil moderno, em que o Estado serviu de árbitro entre os conflitos do capital e do trabalho. Ou seja, uma obra política madura, já que Getulio sabia da experiência marxista (enquanto Prestes se entupia de literatura de manual), que em 1930 já tinha mais de uma década de poder na Rússia. Getúlio sabia também do ascendente fascismo (a marcha sobre Roma, de Mussolini, foi em 1924, mas até hoje inspira marchas sobre capitais) e nazista (ascensão irresistível de Hitler, que empalmou o poder em 1933) e sob nenhuma dessas bandeiras colocou o Brasil. Um depoimento tremendo é o do veterano jornalista carioca que explica o Estado Novo: não fosse Getúlio, aquele movimento militar desaguaria na direita e no apoio do Brasil aos países do Eixo, Alemanha e Itália (hoje países tão paparicados, parece que todo mundo quer ser italiano ou alemão, cruzes). Com Getúlio, o Brasil entrou na guerra contra o fascismo e o nazismo, consolidou as leis trabalhistas e implantou as raízes perenes do parque industrial (o que, segundo a obra autobiográfica de Celso Furtado, causou admiração ao grande economista argentino Raul Prebistch, que dirigia o célebre Cepal, instituição onde infelizmente também fez a fama o burro titulado FHC).
OLGA - Voltemos a Olga. Quando Prestes estava na prisão, depois de ter participado de um golpe de estado em que morreram militares brasileiros (o que já justificaria fuzilamento sumário, se formos adotar uma perspectiva militar) sua adorada Rússia firmou um pacto de não agressão a Hitler. Ou seja, seus grandes aliados comunistas é que sucumbiram diante de Hitler, o algoz que enviou sua esposa Olga para a câmara de gás (quando ela morrer no filme, lembrem de Hitler e dos alemães e não de Getúlio). Depois a Rússia teve que enfrentar a sanha hitlerista, que fez a burrada de abrir mais um flanco de luta e invadir o país, lugar onde abandonou seus exércitos, que sucumbiram diante da férrea e heróica resistência de Stalingrado. Enquanto Prestes apoiava a Rússia (que estava abraçada à Alemanha, assassina da esposa Olga), Getúlio enviava soldados para Europa, que voltaram cobertos de glória. A vitória de Getulio serviu para acabar com seu governo. Argumentaram que as forças armadas foram lutar pela democracia mas estavam a serviço de Getúlio, portanto, uma ditadura. Por isso o derrubaram e fizeram eleições. Mas o tiro saiu um pouco pela culatra, pois quem foi eleito foi o Marechal Dutra, apoiado por Getúlio. O problema é que de 1945 a 1950, como escreve Celso Furtado, as contas públicas foram para o brejo e o Brasil voltou a endividar-se, queimando toadas as vantagens que tinha adquirido com sua heróica participação na guerra (fomos os únicos na América Latina que enviaram tropas, já que os argentinos morriam de amores pelos nazistas, tanto é que muitos desses foram se refugiar entre los hermanitos).
DOCUMENTOS - O documentário transmitido pela RBS traz o depoimento das netas de Getúlio, entre elas Celina Vargas de Amaral Peixoto, que dedicou a vida pela preservação dos documentos da Era Vargas e assim salvou a Historiografia brasileira da sanha dos mentirosos que até hoje tentam manchar o nome do grande presidente. Uma sorte foi que o anunciado Carlos Heitor Cony, que deveria dar depoimento, nem sequer apareceu. O que é muito bom. Além de um ignorante completo, Cony é mal intencionado. Ele acaba de ver aprovada para o seu conforto uma pensão polpuda por ter lutado contra a ditadura de 1964 a 1985. Deixem eu rir um pouco, por favor. Cony, o maior paga-pau desse picareta que tem estátua em praça pública hoje, Adolpho Bloch, o ditador da Manchete, veículo porta-voz da tirania, lutou contra...a ditadura. Quá quá quá. O Bloch publicava na Manchete uma coluna que tinha como título Adolpho Bloch escreve. Tarso de Castro, sempre impagável, dizia que o título deveria acabar com um ponto de exclamação. Enquanto Cony se locupletava com os tiranos, Tarso morria só, esquecido, perseguido e incompreendido, depois de ter mudado a imprensa brasileira e dedicado toda sua vida à liberdade. Honra e glória aos heróis da Pátria.
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