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17 de agosto de 2004

ADMIRAR OS CONTEMPORÂNEOS

Perdemos a capacidade de admirar nossos contemporâneos. Todos são campeões em tudo, como diria Fernando Pessoa. Resta pouco espaço para o reconhecimento de verdade e nesse vazio entra a indústria da idolatria fajuta e plantada, dos auditórios vendidos e gritantes. Nos shows, vejo sempre o povo brasileiro de mãos ao alto diante de alguém que agarra o microfone, se retorce todo, franze o nariz e se esganiça num esforço supremo de ser o que jamais será. Enquanto isso, pessoas como Sérgio Vieira de Mello, para brilhar, saíram do país e lá receberam o devido retorno. Admirava-o desde sua excepcional gestão em Timor Leste. Sua morte foi a pior notícia possível. Por isso, nesta semana inventada pelo Diário da Fonte em sua homenagem, publico mais um poema do meu Canto dedicado ao melhor dos brasileiros.

EXEMPLO

Nei Duclós

Não canto os mortos de hoje
Haverá quem cante
Não canto a paz com honra
Haverá quem cante
Não canto os sonhos no front
Haverá quem cante

Canto o brasileiro raro
exemplar distante
Aquele que impôs o diálogo
no lugar de tanques
Aquele que em Timor Leste
trouxe a esperança

Canto seu andar
livre e soberano
Canto seu fervor
sobre o incêndio
Canto seu mergulho
por demais humano

O que o talento faz com o destino
Sérgio é o exemplo.
O que o exercício da soma traz de grandeza!
O que pode dizer de um herói
qualquer poema?

Canto porque não foi em vão
este projeto
que uma civilização engendrou
em campo aberto
Canto porque um só homem
faz diferença
Basta que ele saiba como
compor o gesto:

Esse punho cerrado se houver concreto
Esse abraço sem freio
se chegar gente
Esse nado na praia
por trás do vento

Canto o mar que repousa
na sua infância
A onda que viajou o mundo
e voltou mansa
Canto o que fica vivo
e não o morto

RETORNO - O obrigatório artigo do professor Mangabeira Unger na página dois da Folha, e reproduzido aqui em Santa Catarina pelo jornal A Notícia, aborda a mais poderosa porção da ditadura civil: o que ele chama de bonapartismo negocista. Desprovido de conteúdo, com ênfase no adjetivo e não no substantivo, o bonapartismo negocista é formado pelo grupo palaciano e o bando de aparelhistas emergentes que compartilham a grana. Mangabeira propõe que todos os cidadãos defendam a liberdade de imprensa, não apenas os jornalistas. E insiste num projeto político para 2006. Não vá de novo apoiar o Ciro Gomes. Aposte em quem o sr. acredita, professor. Está na hora de esquecer Maquiavel, o voto útil e outros instrumentos de tortura.

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