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9 de julho de 2004
JULHO É O MÊS DA GUERRA
Foi por pouco, São Paulo. Quase que tua revolução, que te levou tantos filhos, explodiu na data histórica do cinco de julho. Escolheste o dia cinco porque querias, São Paulo, como todos os outros, ser depositária da guerra sem fim dos anos 20, quando os guerreiros saíram às ruas de peito aberto para enfrentar o poder. Querias aquele gesto, São Paulo, do revolucionário que sobreviveu com a barriga costurada e que, ao ver a autoridade chegando para uma visita demagógica no hospital, rebentou os pontos num safanão para mostrar que não estava ali por nada, à toa, sem propósito. Querias o dia cinco de julho de 1922, e também o dia cinco de julho de 1924, quando foste despertada pela urgência sanguinária das mudanças. Mas a data que querias ficou para trás, então adiaste por duas semanas, mas o teu povo estava na rua e por isso escolheste esta data desamparada, o nove de julho de 1932, que iniciou uma tragédia e que hoje é relembrada como um feito heróico, mas ela é também uma aberta.
DESTINO - Se fosse no dia cinco, estarias mais preparada, São Paulo, pois a data convocaria de verdade as tropas de Mato Grosso lideradas pelo Bertoldo Klinger, que se desconcentrou com o adiamento (ou não acompanhou direito a conspiração) e acabou sendo pego de surpresa. Ele teve que voar de teco-teco com seu comando e aterrissou em ti sem nada nas mãos. Se fosse o dia cinco, talvez os gaúchos do Flores da Cunha aceitassem te acompanhar na luta, São Paulo, pois todo mundo já estava farto desse mês temerário, outubro, e seus asseclas, os outubristas. Foi do dia 3 de outubro (até hoje data de eleições nacionais) de 1930 que desencadearam aquela guerra tremenda que sacudiu o país e que te convocou para uma nova vida, São Paulo. Estavas também farta daquela república sem alma. Tinhas líderes prontos para entrar em ação, o Francisco Morato, nome da grande avenida que um dia me recebeu vindo do extremo sul, o Paulo Duarte e tantos outros do Partido Democrático, que faziam oposição cerrada ao Partido Republicano, que tinha destruído o pacto com Minas ao impor Julio Prestes (hoje nome de estação cultural pública, iluminada e rica) como sucessor de Washington Luís. Não suportavas mais aqueles presidentes esnobes metidos a europeus, São Paulo. Não condiziam com teu dinamismo, com tua força, com teu orgulho, com tua grandeza. Querias fazer história e ajudaste a depor aquele sistema podre. Mas o que recebeste em troca? Um interventor despreparado, o pernambucano João Alberto, militar que tinha servido em Alegrete e que na revolução de outubro (sempre esse mês, São Paulo) de 1924 tinha se despedido da mulher e do filho de colo, juntou seus soldados e foi para fora da cidade bombardeá-la. O relato está num desses livros do Helio Silva e chega a nos sacudir na leitura, pois parece mentira que o tenente João Alberto mirou suas baterias nos seus alvos, mas teve o cuidado de se orientar pela torre da igreja para que as balas de canhão não atingissem a própria casa e sua família. Que estranha geografia, essa, São Paulo, que a História nos revela. Como pode haver uma dissonância tão grande entre o espaço familiar e o front de batalha? Era assim mesmo aquele tempo de guerra em que decidiste teu destino, São Paulo.
CARISMA - Mas pior do que João Alberto era o que ele representava, os militares radicais revolucionários outubristas. Foi aí que a professora Vavy Borges nos ensina que surgiu o nome de tenentismo, exatamente para desmoralizar aqueles caras loucos, de farda, que faziam clubes ou legiões 3 de Outubro em todas as capitais. Foi o mesmo que aconteceu com o marxismo, São Paulo. Queriam ridicularizar os seguidores de Marx, então inventaram esse nome, execrado pelo próprio Marx, que não se considerava marxista. Pois bem, os tenentes então começaram a fazer agitação porque queriam mais poder, que Getúlio não dava. Getúlio inclusive tinha evitado colocar no poder o Miguel Costa, pessoa com muito mais carisma do que João Alberto, pois Miguel Costa era o nome verdadeiro da coluna Prestes, aquela guerrilha fruto da revolução de 1924 que palmilhou o país em catequese revolucionária. Miguel Costa não gostou de ser preterido para a interventoria e começou a agitar tuas ruas São Paulo. As provocações acabaram naquele episódio sangrento em que morreram teus primeiros mártires, os estudantes da sigla MMDC. Foi aí que ninguém mais segurou e já estavas pronta para a guerra São Paulo. Mas os gaúchos do Flores te abandonaram, Klinger chegou de mãos abanando e sobre ti caíram as tropas de todo o país, São Paulo. Veio soldado do exército, veio polícia, vieram aqueles gringos parrudos de Santa Catarina e da serra gaúcha e te derrotaram militarmente. Estavas só como um túnel, para usar a imagem magnífica de Pablo Neruda. Estavas só e por isso teu líderes, desesperados, arrancavam voluntários à força e contrariavam muitos trabalhadores que, de olho nos direitos trabalhistas de Getúlio, começaram a fazer corpo mole, achando que o governo provisório, que chamavas de ditadura, ficasse para sempre. Não ficou porque não deixaste, São Paulo. Lutaste com todas as tuas forças e oficialmente 800 bravos tombaram em campo de batalha. Mas acredito que foram muito mais.
ANISTIA - Pois essa guerra te redimiu, São Paulo. Não me refiro ao que fizeram com ela, mais um ritual de poder apropriado pelos poderosos. Te redimiu porque ficaste livre dessa coisa hedionda que é a guerra e partiste para tua verdadeira vocação, que é o progresso, que mais tarde foi chamado de desenvolvimento e agora dizem que é inchaço. Teu dinamismo ficou concentrado todo nas tarefas grandiosas a que te propuseste, São Paulo. Tua grande e bela universidade, onde aprendi tudo e a quem devo demais. Tuas empresas cheias de vida que me acolheram e permitiram que eu sobrevivesse com minha família. Tuas pessoas que de todo o país chegam para te conhecer e acabam se apaixonando por ti, São Paulo. Por isso te saúdo, cidade imortal. Saúdo a ti e a teu estado e te homenageio neste nove de julho, clamando por anistia a todos os que lutaram, erraram ou acertaram naquela guerra. Quero, São Paulo, um abraço forte entre teu povo e os povos que foram contra ti. Não quero rendição, quero anistia. Quero camaradagem, quero Pátria. Quero o perdão do tempo que a tudo lava. Quero a lembrança da História, mas não o revolvimento dos ódios. Quero o resgate da paz e não o desconhecimento. Neste nove de julho todos fugiram de ti, São Paulo. Chamam isso de feriadão. Eu chamo de data histórica e deposito no túmulo dos teus heróis as cinzas dos que um dia lutaram contra ti, mas que hoje são teus irmãos de um Brasil que precisa voltar a ser soberano.
RETORNO - 1. Passagens de ônibus mais baratas em Florianópolis a partir de hoje. Só a mobilização popular e a revolta pacífica, mas determinada, nos salvam da violência e da guerra.2. Paulo Florencio lê Universo Baldio e diz que os personagens, Luís, Alípio, Jacaré, Peneira, trazem recordações de seus amigos que ficaram em Minas. E marca uma ponte em Sampa para ganhar um autógrafo. 3. Claudio Levitan me envia um abraço saudoso e agradece o que escrevi aqui no DF sobre seu cd A Longa Milonga. E comenta que estava exatamente lendo o blog quando recebeu meu e-mail com o texto.Tu estavas vendo eu ler o que tu escreveste? pergunta. Respondo que moramos no mesmo lado mais claro ainda da lua. 4. O editorial do Estadão de hoje está ótimo, denunciando o banana do Lula diante do espertíssimo Kirchner. Em compensação, na mesma edição, João Mellão publica um texto sobre 1932 cheio de arrogância e ressentimento. Ninguém inveja Sampa, Mellão. Todos amam São Paulo, menos os oportunistas que se servem dela para cevar maus sentimentos.
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