Recebo Veja de graça, numa promoção da revista para conquistar assinantes e redescubro a quadratura do seu círculo: tudo é feito para a vitória do conservadorismo e da exclusão social, adereçada por penduricalhos da moda e pelo travestimento da verdade em olhares pomposos de colunistas, que projetam esgares inteligentes, e notinhas apimentadas sobre a desimportância de tudo, e a necessidade de se manter tudo conforme o combinado pelo pacto da violência institucionalizada. Sem falar nas pseudoreportagens contra os sem terra e um vasta paga-pau para o novo candidato à presidência da direita, o bonequinho de luxo Aécio Neves.
DÚVIDAS - Tudo bem, depois desse lead, vamos beneficiar a dúvida e tentar provar a inocência de Veja. Digamos que Aécio seja um case bem sucedido de governança. E que a foto institucional do governador mineiro com pose de presidente da república, tirada em contra-plongée para destacar seu gigantismo moral, seja apenas um recurso estético. Também vamos admitir que a má vontade histórica de Veja contra o antecessor de Aécio, Itamar Franco, não seja implicância, ou algum negócio entre ambas as partes jamais vindo à tona. Assim mesmo, coloca-se em dúvida se o texto, totalmente favorável, seja realmente uma reportagem. É, o que digo acima, um paga-pau. Vamos também levar em consideração que os lábios apertados e o olhar inteligente do colunista seja apenas uma pose inocente e que realmente o narcotráfico queira unir-se aos sem terra para faturar na Amazônia, pegando carona na atual internacionalização ongueira. E que sua frase “e se, por acaso, os narcotraficantes também perceberem uma oportunidade...”seja uma especulação jornalística. E que colocar a culpa no governo de acobertamento dos crimes indígenas tenha fundo de verdade. Pergunto: não é má vontade demais num artigo de meia página? Onde estão as dúvidas do colunista, afora suas perguntas que apenas reforçam seus preconceitos? Em outra página, a revista denuncia o esquema dos sem terra com a lapidar abertura: “Os líderes iluminados do lumpesinato que compõe a turba dos sem terra usam um expediente ilegal, a invasão, para pressionar o governo a fazer a reforma agrária.” Turba? Afora a distorção jornalística da primeira parte da frase, cheia de ironias e acusações, nenhuma palavra sobre gigantesca grilagem de terras feita pelos poderosos. Vivo aqui criticando o movimento dos sem terra. Acho que dão munição para a direita e que seus líderes são totalmente analfabetos políticos, a começar pelo Stedile e o Rainha, que vão acabar afundando o movimento. Mas uma revista metida a indispensável não pode tomar partido assim, impunemente.
EXCLUSÃO - Feito o serviço na área ideológico-política, Veja se dedica ao que interessa: o charme da exclusão social, que passa pelas matérias sobre a nobreza, as estrelas e outros milionários. Comete o mau gosto de atacar Jennifer Lopez – “ela pode não saber nem cantar, nem dançar, muito menos atuar, mas compensa tudo isso com outros amplos atributos” – o que é de uma grosseria e uma ignorância sem fim. Ou seja, como ela não sabe fazer nada como atriz, vence porque não passa de uma prostituta com seus “amplos atributos” (que só podem ser seus seios, coxas, bunda). Além de perguntarmos quem é o redator anônimo da seção Gente para fazer esse tipo de acusação, quem viu a maravilhosa Jennifer interpretando aquela cantora americana de origem mexicana que foi assassinada, sabe que isso é uma injustiça atroz. Mas Veja sabe quem são seus verdadeiros aliados. Marcelo Anthony, por exemplo, que foi flagrado comprando droga em Porto Alegre e é brindado, junto com seus pares como Michael Jackson, com uma auto-ajuda de como as celebridades devem se defender desses incômodos. Ou a simpática materinha sobre o bilionário russo que venceu na vida participando do saque ao patrimônio soviético e hoje é darling na Inglaterra porque comprou um time de futebol. Ou sobre a dissidência desse ícone ideológico que é a TFP, brindada com materinha isenta, bem ao contrário das reportagens sobre os sem terra. Temos ainda matéria sobre a imperatriz Sissi (nossa, como ela era anoréxica), o que serve para jogar um pouco de bosta em cima de outra maravilhosa mulher, Romy Schneider, que glamourizou o personagem no cinema. Parece que Veja gosta mesmo é de Prince, o chato que voltou e ganhou texto elogioso babão na revista. Tudo isso contrablançado com matérias de capa sobre a corrupção em tempos democráticos (como a democracia é incompetente, meu Deus) e o massacre dos garimpeiros. Tudo em papel couchê brilhante e vastas páginas bem fornidas de publicidade. Dizem que a dívida da mídia brasileira é de dez bilhões. Um jeito de sair desse buraco é voltar ao velho e bom jornalismo. Aquele, sabe, aquela atividade em desuso.
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