Nada mais irritante do que um contemporâneo: ele tem as mesmas necessidades e compete em idéias e presença. Gostamos mesmo é de projetar os outros como se fossem nossos clones, ou criaturas da nossa necessidade. Mas eles costumam ter mais força do que nós, porque nos contrariam a cada passo. A Internet é um canal poderoso para o livre debate com esses estranhos seres, os Outros, que habitam o outro plano do Universo, aquele que não faz parte de nós e portanto prova a cada segundo nossa falta de importância.
OPERAÇÕES COMPLEXAS - Fazer acontecer é uma espécie de semente pré-bigbang. Parece uma pequisa na bola sem brilho, que guarda em si um bilhão de gestos, providências, ações , tentativas e erros. Um dia qualquer que passa lotado por nós guarda todos os segredos. Se fôssemos desembrulhá-lo com cuidado veríamos dentro uma bomba. Como desconectar o sistema? Corta o fio azul ou o vermelho? Se eu puxar aquele fiapo de luz, sairá dele, enrodilhado sobre si como um cachorro no crepúsculo (dá-lhe, Neruda) meu destino? Ou devemos deixar que ele fique em forma de bola luzidia como a de boliche, que atiramos nas nossas forças postas em guarda, que parecem como soldados de Beau Geste no deserto, já fora de combate mas ainda ostentando inúteis fuzis sob o ombro, apontados contra um horizonte de perguntas? O que fazer com um texto, que puxa palavra sobre palavra como um trem carregado de minério, a despencar pela serra em direção à voragem dos mercados unidos num continente único? Será possível perder tempo com o que aparentemente não interessa, gerar pensamento a esmo, perseguir o coelho da palavra entocado em dez mil pedaços amassados de papel? Escorregar bem na beira do abismo e na queda escutar seu contemporâneo rir de outra coisa? A solidariedade assim é uma criação excêntrica, um fórceps cultural, balsa de bambu no meio do maremoto. Se tua fala provoca bocejo nos outros, é porque teu bocejo é maior e veio antes. Distraído, estás pronto para repetir teu hábito ao fechar o portão e uma carta te surpreende. Deves aguardar passar todos os carros, diz a mensagem. Fique onde está. Não atravesse a rua. No lado de lá, um milhão de pessoas esperam. Eles não esperam por ti. Esperam por um milagre.
É, MAS... – Emita qualquer certeza para ver o resultado: ou o silêncio ou o troco: ”Não é bem assim". Em vez de irritação, o que se solta de ti deve ser uma pergunta. Falar, normalmente, é uma maneira de reiterar o que pensamos sobre os outros. Já sabemos o que os outros devem escutar, por isso não custa repetir. As tentativas de quebrar essa regra geram solidão. Então temos mil monólogos simultâneos, como se fossemos bobos de uma corte inexistente. É bom saber que ninguém nos explora, não somos vítimas de ninguém. Somos resultados de uma incapacidade cultural, não a de não “nos comunicar” (que dessa droga estamos fartos). Não sabemos como sair do trilho. Anulamos a possibilidade de verdadeiro encontro. Perdemos tempo com o entulho de linguagens jamais decifradas. Concordamos para não nos desesperar. Ou implicamos até o osso para reiterar nossa individualidade, a auto-estima da galáxia que formamos, com buraco negro e tudo. Quando tudo falha, o único recurso é a literatura. Um poema, feito em algum dia, e que até já recebeu melodia. Cante comigo e com o compositor Muts Weyrauch, aquele que em pleno 1969 lançou sua candidatura a presidente do centro acadêmico da arquitetura com slogans radicais como: "Mutuca põe o dedo no nariz; Mutuca não está inserido no contexto; Mutuca não faz crítica nem autocrítica". Nessa campanha histórica, um vasta pôster com Mutuca olhando para o alto, super-cool de óculos escuros, em imagem em silk-screen, emitia um balão de quadrinhos com a seguinte expressão: “That´s wonderful!” Foi execrado pela esquerda e direita. Quase ganhou a eleição. Foi carregado em triunfo pela rua.
HUBBLE – Esse é o nome do poema. Vamos lá: “Sou um desses planetas soltos sem sistema/ Longe do abraço circular/ da grave estrela/ Acompanhado apenas pelo olhar oblíquo Hubble/ A desandar errante como cauda/ de cometa/ A me arrastar em velocidade/ extrema/ no cosmo sujo sem jamais/ olhar para trás/ A única chance de parar é você levantar-se/ desse banco de jardim e dar-me/ um beijo” (Nei Duclós, com música de Mutuca).
RETORNO - O escritor revelação Tony Monti escreve no seu blog que os textos daqui estão ótimos, "com os quais não dá para discordar nem concordar em tudo", o que ele acha perfeito. Eu também.
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