O Editor da Fronteira, El Gran Tercerizador, combinou uma trégua com o maquiavélico Mr. Toth, o pesquisador de gafanhotos. Conseguiu convencê-lo a deixar preso Radoc, o que conseguiu em parte, mas o argumento definitivo é que não havia mais ninguém na cidade e uma visita cordial para resolver o problema de Trolé seria uma boa pedida. Ele sabia que o cientista maluco queria platéia e alguém prestando atenção em suas teorias seria uma forma de passar o tempo na cidade morta Sampa 2003. Damos agora a palavra ao El Gran.
O AVESSO DO AVESSO – “Cheguei no prédio e a porta estava aberta. Entrei na recepção coberta de teias de aranha, onde não havia ninguém para me receber. Olhei o elevador, quebrado. Vi as escadas imundas, cobertas por um sebo grosso, e me arrisquei. O mais difícil foi pisar cada degrau como se estivesse atravessando a ponte pênsil de Macchu Picchu. Ouvia barulhos estranhos. Insetos, ratos. Algo terrível me esperava no último andar. Bati na porta e ela se abriu com a força do meu muque (e isso que bati de leve). Lá estava de avental branco e debruçado sobre a perna desarticulada de algo indecifrável o louco desenvolvedor de monstros. Toquei no ombro dele e não se mexeu. Ouvi uma voz atrás de mim:
- Esse é meu clone. Ele nunca atende a estímulos externos, a não ser os meus.
Senti uma sombra escorregando pelas paredes cobertas com fotos da 25 de março. Era um líquido viscoso, fino como pele, que escorregava mudando de cor, de azeite escuro para roxo vivo. Radoc! murmurei, apavorado.
- Hoje ele está de recesso. Dei-lhe uma dose extra de suco de asa de morcego, incrementado com Natu Nobilis.
Mr. Toth aproximou-se de mim e me olhou com olhos minúsculos, quase orientais, por detrás de suas lentes adornadas por aros redondos foscos.
- O que vem fazer aqui em plena véspera de Natal, sr. Editor?
- Você sabe porque estou aqui, Excelência. Quero libertar Trolé.
Ouvi então um baque surdo no sótão. O entregador de pizzas não se dava por vencido.
- Mas ele está bem lá, senhor. Eu precisava de uma cobaia para testar meu novo invento. Pimple, o gafanhoto mutante, é o blog dos blogs, e a tudo devora. Pois eu tinha um problema.
- E qual é esse problema, Excelência? (precisava tratar bem o maluco, pois eu poderia cair nas garras de suas invenções).
- É que todo blog contraria a lógica. Não dá para contar uma história de trás para diante. O leitor lê o final antes do início.
- Mas esse é o charme do blog, respondi, escudado nas lições magistrais de dois gênios, Marcelo Min e Gim Tones, que a esta altura deveriam estar cada um numa praia distante (ou talvez não, ou talvez não). O blog é uma revolução cultural e não precisa desse encadeamento linear que temos na literatura tradicional.
- É aí que você se engana, disse Mr. Toth. É possível reverter essa situação. Pimple vai devorar todos os blogs e depois vai dar um comando, que eu já programei,. E colocará tudo na ordem certa, começando pelo começo. Quem quiser acompanhar é só ir até o final do blog, lá estará a seqüência. Pois o que eu gosto é da Lógica, meu caro, da Lógica Matemática, de tudo nos conformes. Para que isso aconteça, invento qualquer coisa. Faço e aconteço.
Eu sabia que conhecia aquele sujeito. Tinha dado uns frilas para alguém parecido com ele. Olhei novamente ao redor e, surpresa! as fotos da cidade morta Sampa 2003 eram todas daquela frila louco, o Hélcio. Será que Helcio, de tanto pedalar a magrelinha pela cidade, tinha se transformado no cientista louco?
Mr. Toth desconfiou que eu estava pesquisando seus segredos e decidiu fazer um gesto brusco. Atirou-se à janela, que se abriu para um paisagem inacreditável. Sabem, aquele deserto do real de Matrix? Era pior.
- O que é isso, balbuciei? enquanto ouvia o som gutural de Radoc gaguejando seu clássico “nããão hááá vaaagas...
- Benvindo ao imaginário da cidade. Ela é assim, mas só os blogs tornam essa catástrofe um lugar humano. Por isso estou pesquisando essa criação infantil que é o blog, diário de adolescentes. Revolução cultural...bah
- Mr. Toth, disse ( avancei um passo). O que o sr. fez com fotógrafo Hélcio?
- Aquele tonto? Vivia dando bandeira na cidade que tinha inventado para si e seus amigos no seu blog Espinha. Por isso incorporei nele para poder ter uma apresentação física real neste mundo de fantasmagorias.
Tive mais um calafrio. Estava tudo perdido. Eu nas garras do pesquisador de gafanhotos, sentindo já o bafo de visky barato com gengibre pelo ar.
- Se o blog é o avesso, sou o avesso do avesso, recitou Mr. Toth, abrindo um sorrisinho enigmático. Tudo voltará ao normal. Olhe lá para fora. Veja essa passeata.
Era uma multidão que ensaiavam passos de uma parada, como se fossem um exército sem nome a vagar pelo deserto de real.
- São os Escritores Marginalizados, meu caro. Eles ficam fazendo passeatas pela cidade para chamar a atenção. Como ninguém dá pelota, eles acabam sempre no bucho de um blog. Se tudo der certo, no mais gigantesco dos blogs, o Pimple, o gafanhoto mutante. Quanto mais colocam palavras e fotos nele, mais cresce.
Os Escritores Marginalizados davam passos de ganso e dobravam os cotovelos, colocando as mãos na altura do peito, empinando o nariz.
- Eles não servem para nada, disse Mr. Toth. O mundo é das imagens, não das palavras. Eles não conseguem se desvencilhar da sua maldição, pois o final das suas histórias estão sempre no começo.
E aproximando-se novamente do meu rosto, gritou:
- Ninguém LÊ!
Saí correndo. Era demais para mim. Quando passei pela recepção, ainda ouvia os baques surdos de Trolé no sótão. Fiquei aliviado pois na rua não tinha passeata nenhuma. Apenas o corriqueiro: uma cidade enfeitada para o Natal, com pessoas cheias de sacolas andando apressadas e rindo. “Não sabem o perigo que correm, pensei.”
RETORNO – Vejo que, seguindo a maldição dos blogs, ninguém dá bola para esses acontecimentos. Ainda mais agora que todo mundo foi embora. Mas na próxima edição, El Gran Tercerizador fará uma entrevista com a mocinha abandonada. Anabela (para saber quem é, percorra o sentido inverso da história, descendo mouse abaixo). Foi o que ele me prometeu. Aguardem.
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