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14 de dezembro de 2023

FORA DO CÂNONE

 Nei Duclós 


Descobrimos, tardios, que todos os ídolos

eram falsos e a História era outra

e que desperdiçamos fé e vidas em ideias

que não vingaram. E que ninguém tinha razão

pois em cada evento havia apenas osso,

pele e sobrevivência, e a sesta intercalada

pelos latidos das tardes sem sentido


E o mais trágico é que não soubemos

o que fazer com essa súbita revelação

e decidimos escolher o de sempre, a ilusão

de nos enxergar como criaturas lúcidas

quando nunca passamos de seres unicelulares

estimulados por luzes elétricas

em telas assistidas por monstros


Esquecemos que poderíamos virar o jogo

amarrando os sapatos das nuvens

beijando o vento, pintando flor de modo preciso

como fazem os técnicos quando erguem pontes

Poderíamos apenas amar nossos ofícios

e não debater jamais com ogros, e se definir

por rodas de verbos em sintonia, como no cosmo


Descobriríamos a chance de ignorar as armadilhas

e dar crédito a quem foi escolhido gênio

mas jamais é reconhecido, aquele professor maldito

o peão que sabia mecânica quântica sem decorar

as fórmulas, ou mesmo um menino, escritor

de versos em asas de borboletas e que usava o pólen

para inaugurar a perspectiva fora do cânone


Nei Duclós

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