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26 de fevereiro de 2023

FÁBULA

 Nei Duclós 


Pousaste perto de mim de asa quebrada.  Te tratei com óleos do Oriente. Voltaste a voar, mas prejudicada. A toda hora cais no meu colo, ardente.


Pergunto de onde vieste e dizes do continente. Mas de qual deserto, ciranda? Quem te abateu e de onde tanto fôlego até chegar à minha varanda?


Curada, voas em círculos sobre minha cabeça. Perdeste o norte, tua cabana. Agora sou eu o teto que toca o íntimo do teu amor que sonha.


Acordas num sobressalto com dor nas costas. Faço massagem, prudente. Adormeces de novo, só de manha.


Não sei o que faço com tantas penas. És filha de um anjo, minha verbena. Varro o que sobra de tuas rezas, quando sobes na nuvem para que eu te veja.


Precisas viajar com teu vôo avesso. Preparo tua mala, com alguns ungüentos. E um caderno de folhas brancas, só de poemas.


Custas a sair, porque és confusa. A toda hora escutas o relógio, o ritmo do teu seio. Está muito acelerado, me dizes. Preciso me acalmar, me dê um beijo.


Enfim alçaste vôo na tarde amena. És agora um ponto no horizonte. Fazes par com a Lua, que com sua presença em pleno dia te homenageia. Eu sabia, és feiticeira. 


Recebi tua carta, pomba correio. Estás na pátria, onde nasceste. Queres voltar, mas não te deixam. Pois és rainha de um vasto reino.


Respondo que posso te visitar um dia, quando a caravana dos beduínos passar por acaso. O difícil é cruzar o mar oceano com meu pequeno barco. 


Ontem enfim ganhei meu ultimato. Ou parto definitivamente para teu trono ou virás com teus exércitos. Mandaste até quebrar as asas de todos eles para que eu possa reconhecer-te.


Deixo meu sítio e minha montanha. Solto os peixes e entrego as chaves para os pássaros. Vou buscá-la, prometo, decisivo. Para isso derroto todos os abutres e os narcisos . 


Essa fábula inventei, quando estava solto. Hoje vivo com meu amor num lugar ermo. Ela tem a fronte de princesa. E uma asa que consertei com meu desejo.


Foi uma longa viagem, mas deu tudo certo. Venci todos os laços que a prendiam. Ela me trouxe nos braços, rindo. E caímos embolados num lençol sereno.


Nei Duclós

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