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6 de setembro de 2022

 TAILOR DINIZ: O INTERIOR MIGRA PARA A CAPITAL


A diferença entre realidade e ficção é  que a realidade esqueceu que também foi inventada. Mas o escritor Tailor Diniz  lembra disso a cada conto do seu recente  Porto-alegreanos (Bestiário, 100 pgs.), baseado no clássico Montevideanos, do uruguaio Mario Benedetti .


O que o livro promete - uma passagem bem humorada pelos personagens da capital gaúcha - cumpre de maneira indireta e original. Pois no baú de memórias do autor neste livro  cabe mais a sua vivência antes de migrar para Porto Alegre do que a crônica da experiência adquirida na grande cidade . É  sua terra natal, Júlio de Castilhos - que emerge  com trechos dramáticos da infância e adolescência, mostrando que  as emoções mais fundas se impõem com mais força . Há um espaço entre a aparência da obra ( que pode ser atribuída à percepção do resenhista) e a exímia fábulação do autor.


Ourives de uma preciosa literatura que já tem boa estrada nos roteiros de cinema, Tailor   cobre este lançamento com os cuidados já conhecidos de sua arte. Esse véu é transparente. Nos contos, a capital é mais um desconforto da memória do que sua celebração. O casal de vida vazia que tenta comprar uma casa na praia para fugir do verão porto-alegrense revela essa transgressão literária de um autor fiel à  verdade - que é  a única versão suportável da realidade.


E a verdade de um escritor de verdade é  apontar seus recursos, revelar os segredos do oficio, entregar o ouro - a escrita - para os bandidos, os nada inocentes leitores. O casal na praia se entrega para um corretor, se decepciona e busca refúgio onde quer abandonar. Dupla traição, a conjugal e a fuga da casa onde moram. Onde fica a ética do habitante da capital homenageada que é traida por uma porção de areia em frente ao mar?


E não se trata apenas de denúncia ou metalinguagem, como nas histórias de um personagem para o seu criador. Mas de sutil sugestão inserida no encontro do casal que saiu do amor para a amizade. Os diálogos banais nos dizem que tudo ali é  memória sem poesia - que só é  encontrada numa foto deixada como recordação e que lembra a felicidade presa no passado. Esse recurso justifica o meu verso que a generosidade de Tailor colocou no início do conto. Pois, dito em outras palavras, nada vale a lembrança sem a costura da poesia.


O interior dos jogos de futebol, das visitas ao cabaré, do primeiro amor compartilhado com o amigo fiel e traidor migra para a capital com sua carga de lágrimas e risos. Viajamos junto,  nós, que não podemos viver sem a literatura.


Nei Duclós

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