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30 de maio de 2018

BREAKFAST AT TIFFANY'S: UMA JÓIA REVISITADA

Nei Duclós


Gostamos de rever nossos filmes favoritos. Quando assistimos mais de uma vez é para relembrar os bons momentos, já que conhecemos a história e o desfecho. Mas quando voltamos aos mesmos filmes uma enorme quantidade de vezes é por outro motivo. Não nos interessa mais como acaba o filme, qual a história dos seus personagens ou mesmo saber detalhes dos bastidores da produção e dos intérpretes. O que nos leva a essa compulsão é que se trata de cinema, ou seja, nós voltamos ao local do crime porque o núcleo da obra é o fato de ela pertencer à Sétima Arte e resolver de maneira brilhante, genial ou simplesmente por pura identificação conosco, os desafios da narrativa cinematográfica, a estrutura, a continuidade, a relação dos personagens com os cenários. Ai reside a emoção que nos conquista, a de que o filme trata de sua essência, o cinema. Vamos pegar um exemplo.

Revi esta madrugada (mais uma noite de insônia) Breakfast at Tiffany's, de Blake Edwards, baseado em novela de Truman Capote e adaptado por George Axelrod. Foi lançado em 1961, quando então a civilização fazia uma imagem ideal de sua realidade(a partir das décadas posteriores, a barbárie ganhou a parada, como podemos notar hoje olhando em torno). Há nessa produção tudo o que é explorado hoje de maneira burra e explícita. Aliás, o que me levou de volta a Audrey Hepburn, George Peppard, Mickey Rooney, Patricia Neal, Buddy Ebsen e Martim Balsam foi uma cena de curra num terraço da série Marseille, que tentei ver pela quinta vez, em vão. Vendo os atores da série se retorcer de um gozo artificial e bruto diante das câmaras desisti, e decidi revisitar os elementos perfeitos que compõe a joia cinematográfica de Edwards.

Nela há cenas de sexo: por mais de uma vez, o filme sugere, por elipse, casais que “fazem amor” (para usar uma expressão da época) por dinheiro ou por atração física e amorosa. Sem esfregar o delírio suspirante na cara do espectador. A garota de programa que procura marido rico e o jovem escritor estreante sustentado por uma milionária casada são vizinhos e acabam se apaixonando. A moça de programa fugiu da casa do marido, um homem mais velho, veterinário, que a tinha capturado ao flagrá-la, junto co irmão, roubando o seu pomar. Selvagem e louca, ela tenta mostrar que é livre mas acaba se enredando na sua verdadeira paixão. Ele deixa de ser dependente da ricaça para se dedicar ao ofício que tinha abandonado, inspirado pela garota que veio de longe e caiu no seu colo de presente.

O que pega no filme? O início dá uma pista. Um taxi desliza suavemente no amanhecer de uma Nova York deslumbrante e a moça elegante desce para ver as joias na vitrine da famosa Tiffany. Enquanto olha, faz seu desjejum. É o seu ideal de felicidade e estabilidade. É o que ela quer na vida: um ambiente cool, sem conflitos. Mas seu apartamento, onde o telefone fica na mala e os penetras bagunçam sua festa particular, e, nos outros dias sem balada, ela se refugia dos “ratos” que a compram, tem uma escapatória pela escada do incêndio, que dá para o andar de cima onde mora o escritor.

Entre a suavidade e o conflito, o filme se realiza perfeitamente com as grandes interpretações, quando os personagens deságuam na cena final de encontro amoroso na chuva, talvez o mais belo momento do amor que se reconhece definitivo na história do cinema. O que encanta é a perfeição de cada item. Ela cantando Moon River na janela do apartamento, de olhar distante, sendo obsevada pelo seu apaixonado; os passeios por uma cidade magnífica entre prédios suntuosos, lugares inesquecíveis, revoar de pombas. E os diálogos, longe de ser água com açúcar, são ásperos, duros, ofensivos, pois não se trata de uma comédia romântica, já que o autor por trás da cena é o brilhante e radical Capote. É um conto sobre o desencontro, a luta pela sobrevivência por meio de ações ilegais ou condenáveis, o tráfico de influências, a caça ao tesouro, os casamentos arranjados, a indiferença. Tem até a Máfia, que usa a garota para repassar recados. E é também sobre a descoberta do amor, esse magnífico efeito colateral de uma vida miserável.

Tudo isso faz deste filme uma peça inesquecível de realização cinematográfica e por isso voltamos a ele tantas vezes. Para ver como o amante rico entra no quarto onde jaz a mulher devastada pela dor da perda do irmão, com a câmara colocada no alto e as ruínas dos móveis tomando conta do piso e da cama. Para acompanhar de novo a maravilhosa cena em que o joalheiro concede fazer uma gravação num anel achado em um pacote de biscoito. Para rever a emocionante despedida da mulher ao seu ex-marido caipira.

Porque tudo isso já vimos e sabemos de cór. Mas o cinema é assim. Nos conquista por ser cinema, uma arte voltada para si mesma. E que só existe ali naquela tela. Mesma na época em que foi lançada, quem viu sabia que aquilo só existe num filme. É a representação de uma época que se sonhava perfeita. E talvez voltamos a ele para tentar mais uma vez fazer parte desse universo maravilhoso. Não por ser rico, capitalista ou sei lá o quê (já que trata de pessoas pobres que se vendem para sobreviver). Mas por ser encantador na sua carpintaria perfeita, que ouso chamar de obra prima, pensem o que quiserem. Mesmo com um espanhol, Jose Luis de Villalonga, interpretando um brasileiro e falando olé (e sendo sempre lembrado que é mestiço), e um americano, Mickey Rooney fazendo hilária e execrável caricatura de um chinês, o que deixava Bruce Lee furioso.

Hepburn foi indicada ao Oscar mas não levou. Já Henry Mancini sim, com sua trilha musical majestosa. Em 2012, o filme foi considerado "cultural, historica e esteticamente significativo” pela Biblioteca do Congresso americano e selecionado para ser preservado no National Film Registry,

Nei Duclós

RETORNO - Imagem: George Peppard não entende o desinteresse da amada depois de uma noite juntos e tenta descobrir o que acontece.

A fala mais contundente dele é mais ou menos esta: “Não quero colocá-la numa jaula, quero apenas te amar. Você se acha livre e selvagem, mas construiu uma prisão para si mesma e não adianta migrar para um país distante, você sempre levará esse limite com você. As pessoas se apaixonam e pertencem umas às outras. Mas você é covarde e não aceita compromisso porque se refugiou nessa cela.”
A dela é esta: “Aceite meu dinheiro, afinal você está acostumado a ser sustentado por mulheres.”

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