Nei Duclós
Impregnada de clássicos do gênero, o faroeste, Godless, a
série limitada da Netflixx de sete episódios de uma hora em média cada um,
inova com fundamentos. Não parte para a ruptura sem prestar homenagens aos
grandes como John Ford, Fred Zinnemann, John Sturges. Nem muda o foco de
maneira aleatória, pois ao destacar o papel das mulheres na colonização do
oeste obedece a uma linhagem feminina da coragem que vai deste Johnny Guitar,
com Joan Crawford sendo a leoa que se defende e ataca, até a Grace Kelly que é
decisiva em High Noon, pois ela é quem resolve a parada no duelo com o
facínora.
A série, criada por Scott Frank, impressiona pela narrativa
bem costurada, cenários espantosos e a qualidade geral do design de produção,
em que cada detalhe é levado em consideração como se estivesse em primeiro
plano - e está, pois em cinema, onde tudo é feito para ser visto, não existe o
tal "pano de fundo", que faz parte do teatro.para ajudar no clima da
peça. Num filme tudo está na fuça do espectador e tudo se reporta à Sétima
Arte. Por isso Godless vale muito.
O desfecho da trama, o tremendo tiroteio em La Belle, a
cidade criada em torno de uma mina de prata que explodiu com todos os homens e
deixou apenas as mulheres tomando conta da cidade, faz parte agora da antologia
não só do gênero, mas de toda a história do cinema. Não só pela violência, pela
contundência de mulheres disputando pau a pau (para abusar de uma expressão
antiga) com a bandidagem interminável. Eram 30 bandidos, ,mas parece que são
300, ou seja, obedecem aos exageros da imprensa local, que arruma a cama da
cidade ao denunciar que nela está residindo o objeto de desejo do grande vilão,
interpretado de maneira soberba e sinistra por um irreconhecível Jeff Daniels.
que persegue seu filho adotivo, Roy Goode, interpretado por Jack O'Connell, por
sua vez acoitado pela bela e talentosa Alice Fletcher, no papel da viúva armada
Michelle Dockery.
Está tudo lá: a fazenda á mercê dos perigos, a cidade
cobiçada pelas empresas mineradoras, as prostitutas e os matadores, os negros
da aldeia próxima, que são ex-combatentes da guerra e se transformam em
lavradores. E os casos amorosos dentro da diversidade, como o casal de
mulheres, o jovem ajudante de xerife com a violinista negra, o xerife cego com
a viuva de dois maridos, o índio fantasma e seu cão, a velha índia feiticeira
(interpretada por Tantoo Cardinal. Tudo pontuado por grandes chacinas, como se
estivéssemos no clima deste século em que a matança coletiva toma conta do
noticiário.
Custei a reconhecer Jeff Daniels como o brutal chefe da
quadrilha. Normalmente fazendo papéis light ele assusta na crueldade,
concentração e falas. É um sujeito liso, esperto, criativo e impiedoso. Um
papel que certamente lhe trará os principais prêmios.
Godless: corre bala no velho Oeste. Desta vez as mulheres
são em maior número. E são exímias pistoleiras, sem as antecessoras fake de
outras experiências em que a protagonistas eram representadas de maneira
supericial. Essas de Godless, a terra sem Deus que espera em vão a vinda de um
pastor, substituído pelos falsos profetas, tem consistência e fazem chorar.
Grande série.
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