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30 de agosto de 2016

JOHN STURGES, A ÉTICA DA CORAGEM



Nei Duclós

Revi no mesmo dia pela bilionésima vez os finais de dois faroestes clássicos dirigidos por John Sturges (1910- 1992): Gunfight at ok Corral (1957) e Last Train from Gun Hill (1959). Sturges começou fazendo documentários para as Forças Armadas Americanas e soma outros clássicos como Bad Day at Black Rock (1955), The Magnificent Seven (1960) e The Great Escape (1963). O que há em comum em seus filmes, além de atores antológicos (Burt Lancaster, Kirk Douglas, Anthony Quinn, Steve McQuenn, Spencer Tracy) roteiros primorosos e produção impecável? Notei que ele trata em seus filmes da mais amedrontadora das situações humanas, a ética diante de uma situação limite.

Para isso ele precisa de intérpretes de verdade, monumentos cinematográficos, que deixaram um legado impecável e insuperável. O fato é que Kirk Douglas interpretando Doc Holliday está verdadeiramente tuberculoso. Não há dúvidas sobre isso. Sua tosse é mais do que convincente, é legítima. O sujeito está em estado terminal e ninguém aposta que ele vai ficarão lado de Burt Lancaster no duelo final. Mas ele fica.

Outro fato é que Kirk, em outra história, é aquele xerife que perdeu a mulher índia para estupradores jovens, filhos de fazendeiros. Não que ele finja bem, ele simplesmente é o cara. Sua determinação alimenta-se da raiva e do sangue frio. Sua autoconfiança derrota todos os maus elementos que o cercam. Sua rapidez no gatilho é o resultado natural de uma vida dedicada à justiça e que se deixa levar pelas paixões quando persegue os matadores da sua mulher. Ele precisa fazer cumprir a lei, mas não tem condições, não tem espingarda (que pede emprestado à cantora do saloon), mas nada o impedirá de pegar o último trem para entregar o assassino ao juiz.



Como seu prisioneiro morre na refrega, ele é obrigado a enfrentar seu ex-melhor amigo no duelo. É quando Anthony Quinn, ao levar um balaço vira a cara para a câmara olhando para o nada antes de cair. Momento supremo do drama na Sétima Arte: o poderoso que perde tudo e mergulha no abismo com seu não olhar. Não se faz mais esse tipo de monstro nas telas de cinema.

Igualmente Burt Lancaster como Whyte Earp aceita as condições da luta imposta pelos assassinos e para isso implora ajuda do melhor amigo., que está morrendo tuberculoso. Burt/Whyte está dividido entre o enfrentamento e a desistência, sugerida por todo o entorno, principalmente a família. Mas ele tem mais do que orgulho próprio, ele tem a ética diante de uma situação limite, fonte da coragem. Ter brio pra enfrentar a morte não é uma brincadeira de faroeste. Aliás nem importa o gênero de filme. O que vale é essa postura das personas em cena, esse modelo de coragem que vem da consciência, do sentido de missão e do desapego às mesquinharias da vida.

Em Bad Day at Black Rock , o maneta Spencer Tracy enfrenta toda uma cidade em conspiração de silêncio e preciso cumprir sua tarefa mesmo que isso não lhe dê chance nenhuma de sobrevivência. Ele tem a frieza da honra, o carisma do caráter, o desprendimento da coragem. É disso que trata John Sturges, o cineasta que nos ensina que viver vale a pena quando conseguimos superar as divisões internas, o medo e o egoísmo. Não que seja um pregador religioso. Ele é apenas um homem com têmpera de aço, que se expressa pela arte maior do cinema.


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