Nei Duclós
O legado de Miguel é a disseminação do seu sólido
conhecimento, arduamente conquistado e desenvolvido em décadas de dificuldades.
Enfrentou problemas graves de saúde desde criança e sempre foi um desafio para
os especialistas. Conseguiu superar crises e estabeleceu-se dentro dos seus
domínios, o site pioneiro Consciencia.org, responsável pela formação de mais de
uma geração de filósofos brasileiros, que nele encontraram o conteúdo e as
abordagens críticas necessárias para desenvolver um trabalho próprio.
Sua solidariedade definia-se por um serviço social
autêntico, pessoal e sem holofotes em cima. Raramente foi reconhecido, a não
ser por algumas reportagens e o amplo agradecimento de quem se beneficiou do
seu trabalho. A universidade, onde se formou na graduação brilhantemente, não o
acolheu como devia em seu esforço de pós-graduação, preterindo seu trabalho
sobre utopias em benefício de tantos doutorados inúteis. Ficamos com a
indústria de títulos enquanto muitos talentos são postos de lado, para prejuízo
do país que desperdiça seus filhos.
Ser generoso, solidário, boa praça, bem humorado são
aspectos da sua personalidade, mas não sua essência: o que pega é o mergulho
profundo na filosofia e no acervo cultural brasileiro, sobre o qual escreveu
inúmeros ensaios. A solidez intelectual se destaca sobre suas outras
qualidades.
Ter sido levado cedo, aos 37 anos, apenas prova, para
consolo nosso, que Deus sente falta dos melhores e os quer mais próximos, ou
então decide preservá-los de mais sofrimento neste vale de lágrimas.
Miguel Lobato Duclós (1978-2015): ontem, 29 de maio, dia de
luto ainda mais devastador, relembramos o dia em que nasceste e os aniversários
que comemoramos juntos. Não há pranto que esteja à altura da dor nem palavras
que possam ajudar a suportá-la. Só nos resta teu exemplo de dedicação e
coragem. Nas minhas mãos estão gravadas a cena em que tentei te acordar do sono
sem volta de dentes cerrados, quando chegamos tarde demais para reverter o
desfecho de um acidente cardíaco fulminante.
É mais uma lição deste homem sem igual: a de que a vida é
uma ilusão passageira e a morte, a única realidade radical e por isso mesmo nos
obriga a não nos perdermos em superficialidades e conjeturas. Precisamos da
transcendência como precisamos de ar.
O que pega nesta existência? Miguel sabia e em função dessa
descoberta dolorosa pagou com a vida. Eterno é o amor que sentimos por quem nos
concedeu o privilégio de uma convivência tão profunda.
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