Nei Duclós
Alguma coisa sempre dá errado nos filmes dos Irmãos Joel e
Ethan Coen. Normalmente é um crime, como em Fargo ou O grande Lebowski ou em
Queime depois de ler: o sequestro de desfecho trágico, o assassinato por obra
de um trapalhão, a chantagem envolvendo gangs e governo apresentada como um
pastelão, a insanidade como costura das histórias. A fauna humana representa a
América deslocada da cultura racional. Todos enlouqueceram e acham que se
comportam como pessoas normais. Como a
troupe de John Ford, os atores se repetem, como John Torturro e Steve Buscemi,
comediantes pelo avesso, psicopatas juramentados que geram confusão e
desconforto.
A crueldade, que é mais explícita em Os fracos não tem vez,
é a fuça desse universo ameaçador, que trabalha um acervo de perseguição e
morte, chantagem, solidão e brutalidade, investigação e indiferença. É o cinema
possível da pós-comédia. Depois dos clássicos como Buster Keaton, Chaplin, Os
Três Patetas, Abott e Costello, dos cerebrais Peter Sellers, Steve Martin e
Jerry Lewis, e dos anarquistas como Jim Carrey, passando pelo limbo do riso oscilando
entre a sofisticação em Jerry Seinfeld e a ingenuidade proposital em Chavez,
resta aos Irmãos Coen colocar uma pá de cal na comédia por meio do terror com rostos
e gestos minimalistas, acompanhados de sussurros, normalmente idiotias cevadas
no obscurantismo mais torpe.
O comportamento impassível do serial killer de Os Fracos não
tem vez ou a lógica dos donos da academia em Queime depois de ler, tem a
tranquilidade dos criminosos focados no mal que provocam agindo como se nada fosse
com eles. É uma aparente distorção, um deslocamento por meio de disfarces, onde
a verdadeira individualidade não aparece porque se perdeu para sempre (talvez
nunca tenha estado lá). Um quadro que pretende escorregar para o poético, já
que exagera a precariedade humana, mas que é apenas o destino dos realizadores,
presos em sua armadilha sem solução: personalidades perversas que usam o cinema
como espelho fingindo que falam dos outros, quando mergulham em seu próprio
inferno. São adultos que se vingam da impossibilidade de voltar à inocência.
Eles carregam na transgressão para revelar o quanto perderam na civilização fundada
na barbárie.
Muita gente não gosta. Eu vejo sempre. Talvez porque a
carpintaria convença ou haja mesmo uma atração complicada nessas histórias que
procuram destruir o cinema para apontar outros caminhos. Isso é feito por uma
radicalidade pessoal dos Irmãos Coen, comediantes sinistros que exploram a
região cinza entre o horror e o riso.
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