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27 de janeiro de 2016

AS BICI E AS BIKE




Nei Duclós

Tínhamos três tipos de bicicletas em casa. As com rodinhas suplementares, para a petizada aprender a se equilibrar, a bicicleta dos rapazes e as das gurias. A nossa passava de irmão para irmão. Era vermelha e com os aparatos da época (a imagem dá uma ideia): lanternas dianteiras e traseiras, bomba de ar acoplada e com placa identificando o veículo. As bici dos garotos tinham um ferro, como se vê na foto (e onde eram levados os caronas) e as das moças não, para caber as enormes saias.

Cada bici possuía a sua placa oficial, outorgada pela prefeitura. Só assim era possível trafegar. Se houvesse acidentes, todos saberiam quais veículos estavam envolvidos. À noite, todos viam que ali estava um ciclista. Alguns colocavam luzinhas nas rodas, para enfeite ou para aumentar a segurança. Existiam também as com motor, em que se colocava no eixo da roda um dispositivo barulhento que dava grande velocidade ao piloto. Usava-se muito no meu colégio, o Santana.

Nós morávamos em frente e tanto na entrada quanto na saída multidões se atiravam nos seus veículos salvadores e aproveitavam a cidade plana, de ruas largas e poucos automóveis. Quando ficamos adolescentes, era considerado ridículo usar bicicleta, isso era coisa de meninos, não de homens, que iam a pé ou de carro. Mas as bici faziam parte da nossa vida e as oficinas especializadas viviam lotadas, para consertos, colocar parche no pneu furado (que tinha câmaras internas). Nos desfiles cívicos, eram grandemente apreciados os grupos que levavam orgulhosos suas bicicletas adornadas nas rodas de papel crepom colorido. Maior sucesso.

Hoje vejo um monte de descalabros. Primeiro, a gana assassina dos motoristas de carro e ônibus, que não respeitam ciclistas e atropelam e matam a torto e a direito, como num genocídio premeditado. Eles querem extinguir a “raça” que usa bicicleta. Segundo, a total falta de adereços fundamentais, pois como você vai enxergar uma bici no escuro, sem lanternas nem luzes, e que se confunde na escuridão? Isso jamais justifica o morticínio, mas haveria uma chance mínima para quem se identificasse na rodovia. Isso só se consegue com leis. As indústrias foram retirando os adereços para economizar e lucrar mais, pois era obrigatório vender com tudo em cima.

Outro descalabro é o que fizeram aqui na aldeia onde moro: transformaram em ciclovias uma grande parte das poucas calçadas (é tudo tomado pela especulação imobiliária, não sobra uma nesga de espaço para os pedestres) . O passeio público agora é dividido com ciclistas que trafegam a toda e reclamam aos berros se você está na frente. Uma vez eu levantei um braço na parada de ônibus avisando que eu queria embarcar e um degenerado veio veloz nas duas rodas bater em mim porque eu estava usurpando o sagrado direito dele. Sem falar no psicopata que quase atropelou minha neta que cruzava a ciclovia para ir á faixa de segurança na rua,a junto comigo e gritou para a menina: ciclovia, porra! Não tive tempo de revidar porque o covarde fugiu tão célere quando chegou.

Os crimes contra os ciclistas não justifica a vitimização das bicicletas.Certa vez eu cruzava a faixa de pedestres na avenida paulista e uma saradona com sua bike caríssima quase me pegou e eu reclamei. Faixa de segurança!  Ela parou se voltou para mim furiosa e gritou: E daí!? Estava vestida com todas as grifes da moda, musculosa e feroz. Pois existem as bici, que servem de transporte para quem não quer pagar ônibus e depender do péssimo transporte público, que carregam compras e crianças por todo lado, como se vê aqui e se via muito na minha cidade, Uruguaiana, e as bikes, que é exclusivamente para o esporte e os procedimentos para manter a forma.

Acho que deveriam ser enquadrados todos. Fazer como em Amsterdã, em que as bicicletas, aos milhares, tem seu espaço e cumprem as leis do trânsito e servem para toda obra, como nos conta meu filho Daniel Duclós em inúmeros posts. Tirar as ciclovias das calçadas e fazer ciclovias decentes, disputando com o leito carroçável, e não com os pedestres, pois isso é oportunismo e covardia, uma ideia de jerico das nossas falsas políticas públicas. Regular a velocidade pois tem energúmeno trafegando a toda sem olhar a quem. Impor o uso de lanternas e luzes e emplacamento obrigatório.  E punir rigorosamente os criminosos do trânsito, que matam ciclistas e ficam impunes.

Só assim vai funcionar.


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