Num ambiente de esculacho permanente ao país, Miguel
Lobato Duclós (1978-2015) procurava entender a sua pertença ao Brasil estudando os autores importantes,
vasculhando pistas da nação aos pedaços e lançando luzes, por meio desse
esforço árduo, sobre nossa formação e a atualidade de ser brasileiro.
Transcendia o mero nacionalismo, pois não era xenófobo nem fundamentalista, mas
um filósofo que tratava esse tema como os outros, um desafio para o
conhecimento. No texto a seguir, ele resume alguns modelos interpretativos do
lugar onde vivemos, por meio de seu texto claro e sua mente brilhante.
MODELOS INTERPRETATIVOS PARA A HISTÓRIA DO BRASIL
História do Brasil, Textos Introdutórios.
MIGUEL DUCLÓS
a) ROBERTO SIMONSEN foi um intelectual ligado ao meio
empresarial e industrial paulista e à criação da Faculdade de Economia da USP.
Dentro do seu contexto histórico, em que a soberania do país era tema de debate
e ação política, desenvolveu um modelo explicativo para a história do Brasil
que deu primazia à abordagem econômica, segundo ele, até então pouco explorada.
No entanto, sua explanação buscou de certa forma justificar a economia
brasileira, e especialmente paulista, voltada para a exportação para a
metrópole, no entanto gerando riqueza para a colônia, com base nos precedentes
históricos. Se mundialmente a abordagem marxista da história já havia feito
essa virada, a abordagem de Simonsen retoma a problemática inspirando-se no
trabalho de intelectuais liberais, especialmente ingleses e norte-americanos. O
autor assume a explicação, então em voga, que diferencia as “colônias de
provoamento” das “colônias de exploração”, sendo que o Brasil pertence a esse
último grupo e também os principais “ciclos econômicos” que o Brasil passou,
primeiro como colônia, e depois como nação, pau-brasil cana-de-açucar,
mineração, café etc, em que cada ciclo tem um início, apogeu e decadência,
sendo substituído por outro.
b) CAIO PRADO JR. Foi um intelectual paulista oriundo da
elite cafeeira. No entanto, isso não o impediu de desenvolver uma visão crítica
acerca desse meio e seu legado, assumindo uma visão influenciada por Marx e
aplicando as ferramentas teóricas da historiografia marxista para formular os
conceitos que ajudassem a entender o Brasil. Da mesma maneira que Simonsen, o
seu recorte teórico dá primazia para a formação econômica do país, no entanto
entendendo o resultado de forma mais crítica, ao resgatar o papel colonial do
Brasil como parte indissociável da expansão européia e do “mercantilismo
português”. O propósito de Caio Prado em seu clássico é encontrar uma
linha-mestra que abranja os aspectos necessários para identificar uma “linha
evolutiva” para a história do Brasil, sendo seu conceito uma unidade
identificada dentro da diversidade de aspectos, fornecendo a estes o “sentido
da colonização” que explique como o Brasil tornou-se o que é, com base na sua
história econômica. A procura pelas causas do subdesenvolvimento entende o
Brasil como estritamente ligado aos objetivos de exploração da Metrópole, considerando
o desinteresse inicial como redundante do fato de não fornecer recursos
minerais, como as colônias espanholas. O próprio Brasil é entendido como
colônia de exploração num sentido forte, em que os objetivos de povoamento ou
vida nativa eram bastante secundários, por isso, por sinal, o aprisionamento em
relação à faixa litorânea em detrimento do interior, sendo que o próprio
bandeiritismo teve o objetivo principal de encontrar os sonhados metais
preciosos, depois da centralidade da economia agro-exportadora.
c) RAÍZES DO BRASIL é outro clássico fundamental da
historiografia brasileira, escrito pelo professor e intelectual paulista SÉRGIO
BUARQUE DE HOLANDA. Demonstrando uma erudição de fôlego, onde o texto é a parte
clarificada de uma imensa pesquisa junto às fontes e suas interpretações,
existem dois aspectos no modelo explicativo do autor que podem ser destacados,
explicitados nos capítulos do “Homem Cordial” e “Ladrilhadores e semeadores”.
No primeiro é apresentada uma hipótese para a difícil definição do homem
brasileiro, dentro do problema maior de entender como o Brasil adotou as
instituições européias num ambiente geograficamente e etnicamente muito
distinto da Metropole, com a qual no entanto esteve sempre ligado. O “cordial”
(do latim cord, coração). do epíteto foi sempre para o autor motivo de
explicações posteriores e mal-entendidos, uma vez que não está necessariamente
ligado ao seu caráter positivo ou sentido virtuoso, mas antes, evidencia a
preponderância de elementos não-racionais ou emocionais na prática brasileira.
Isso ficaria evidente como legado português quando o autor faz uma distinção
com a américa espanhola, os “ladrilhadores” do outro capítulo, mais afeitos à
racionalização, planejamento urbano das cidades, com suas quadras geométricas e
paralelas, com largas calçadas, buscando atingir o interior ou criar uma vida
nativa própria, com o estabelecimento de universidades. Os “semeadores” do
mundo luso, pelo contrário, dificilmente distanciavam-se da ligação com o
litoral e a marinha, a exportação e ligação com a Metrópole, alterando o meio
aos poucos, sem o mesmo fôlego diretor, resolvendo muitas coisas de improviso
ou em pequenos quinhões, com suas casas mal dispostas em vielas e servidões
tortuosas, evidência do esforço individual ou familiar, encontrando-se no
labirinto que formava o bem comum da vida colonial urbana. Tentando entender o
homem brasileiro e fornecer-lhe uma identidade, diante do caldeirão étnico que
constou na sua formação, Buarque pensa a realidade brasileira como resultado do
chamado “milagre português”, ou como um reino pequeno e pobre conseguiu
manobrar tão vasto império e fincar nova população em território descomunal,
cobiçado por outros potências européias.
d) GILBERTO FREYRE foi um pensador pernambucano ligado à
elite herdeira de um mundo colonial decadente, não a elite cafeeira paulista,
como do marxista Caio Prado, mas a antiga oligarquia nordestina, que o autor
pinta com cores positivas, sendo, apesar de fundamental e de grande alcance,
muito criticado pelas interpretações mais críticas da realidade brasileira em
outras escolas de pensamento do período. Seu modelo coloca os dois pólos como
complementares, a Casa Grande, representante do patriarcado que respondia à
Metrópole e a Senzala, necessária para a implementação e funcionamento dos
engenhos e lavouras, onde habitavam os escravos. As relações da economia
escravocrata voltada para uma cultura de exportação deram o tom definidor da
sociedade brasileira. Um dos aspectos mais importantes é o da miscigenação,
indicativo, para o autor, da possibilidade de existência de laços afetivos
entre senhores e escravas, não somente num contexto de abuso e de opressão.
Freyre utiliza os pressupostos do determinismo climático ao abordar a
elasticidade e voluptuosidade da matriz européia lusa na sua relação com as
outras duas raças num contexto de clima tropical que seria causa do fracasso
dos empreendimentos de povos mais nórdicos em zonas não-temperadas. As teorias
raciais e as explicações antropológicas da miscigenação tentam entender a
complexidade da formação do povo brasileiro.
4) FERNANDO NOVAIS está ligado à tradição inaugurada pela
abordagem marxista de Caio Prado Jr e seu “sentido da colonização”. Dessa
forma, usa o instrumental teórico marxiststa de acordo com o cabedal de seus
conceitos, pensando o modo de produção escravista do capitalismo mercantil no
Antigo Regime, e as relações entre colônia e Metrópole indissociáveis do eixo
maior do capitalismo mundial com centro na Europa Ocidental, que buscava
desenvolver-se e enriquecer na sua própria base. Os ciclos econômicos,
portanto, não atendem ao entendimento dessa realidade, pois não podem ser
pensados num recorte interno, mesmo endossando-se sua relação com a Metrópole,
mas antes, deve-se buscar entender a conjuntura político-econômica na sua
inteireza, e o papel brasileiro – e latino-americano, como uma articulação
dependente e subordinada à lógica própria externa à sua natureza.
Na crítica à abordagem de Novais, Fragoso e Florentino
destacam-se ao argumentar que neste processo relacionado ao mercantilismo
europeu, desenvolveu-se, todavia, um mercado interno. Ligado principalmente ao
tráfico de escravos, com força própria, possibilitando-se a acumulação
endógena, ou seja, dentro da dinâmica interna da colônia. Criticando o modelo
do “sentido de colonização” causalista, ou teleológico e contrários à ideia de
um exclusivismo metropolitano, Fragoso e Florentino defendem que a
hierarquização social consequente da economia agrícola fundamentada no tráfico
de escravos do mundo atlântico foi até mesmo necessária para a manutenção do
Antigo Regime em Portugal, daí a ideia de um arcaísmo como projeto, sustentando
um sistema quase estático na corte européia.
A abordagem busca conciliar os modelos explicativos de Caio
Prado & Novais com a leitura crítica de Ciro Cardoso e seu modo de produção
escravista colonial. A desigualdade social que é fator marcante da realidade
brasileira teria assim explicada sua origem quando entendemos que a formação de
uma elite colonial que explorava e ditava as regras da vida na periferia do
capitalismo, associando-se à aristocracia européia. Porém, os problemas
enfrentados na Metrópole também deram margem para que no cenário colonial, e
especialmente no Rio de Janeiro, conforme a abordagem dos autores, esta elite
aproveita-se dos seus privilégios políticos para ascender politica e
economicamente conforme uma dinâmica relativamente autônoma e interna,
independente da macro-política da economia capitalista no contexto mundial.”
Miguel Lobato Duclós, siga no link:
http://www.consciencia.org/modelos-interpretativos-para-a-historia-do-brasil
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS:
THOMAZ, L. F. De Ceuta a Timor. 2. ed.Algés: Difel, 1998.
GODELIER, M. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
FRAGOSO J. L.; Florentino, M. O arcaísmo como projeto. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo
Sistema colonial (1777/1808) . São Paulo; Hucitec, 1985.
PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo.
Brasiliense, 1999.
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil
(1500-1820). São Paulo: Comp. Ed.
Nacional,1978, p.269-302.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raíes do Brasil. São Paulo: Cia
das Letras, 2006, THOMAZ, L. F. De Ceuta a Timor. 2. ed. Difel, 1998.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ANDRADE, Leandro Braga de. A Historiografia sobre o debate
acerca da economia colonial brasileira.
http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5.pdf Acesso em 05.12.2013
TEIXEIRA, Rodrigo Alves. Capital e colonização: a
constituição da periferia do sistema capitalista mundial.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612006000300005
Acesso em 05.12.2013.
BERTOLI, André Luiz. Uma Leitura Possível da Crônica da
Tomada de Ceuta, levando em conta a Representação do Infante D. Henrique nessa
obra de Zurara.
http://www.sociedadeemestudos.ufpr.br/atual/arquivos/bertoli%20pag%2089.pdf
Acesso em 06.12.2013.
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