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24 de agosto de 2015

AS MULHERES NO NOVO ROMANCE



Nei Duclós

Fortes personagens femininas são um dos pilares do meu novo romance TUDO O QUE PISA DEIXA RASTRO. Alguns trechos:

IMPERATRIZ LEOPOLDINA - “Mulher e flor: as plantas amam? Duvido. Mesmo aprumadas num colo de princesa elas exalam um pouco a indiferença, o ar blasé da bem nascida. No mato então elas se multiplicam, tendendo mais a formigueiro do que a baile de gala. Fui criada no luxo, onde estudei livros sobre a natureza. Mas a curiosidade e o casamento me despejaram neste lugar, que é o paraíso intocado. A diferença é brutal. No palácio do meu pai, a equitação era uma arte, aqui uma necessidade de sobrevivência. Vim porque a fantasia é o vestido de baile da mentira. Não me arrependi a maior parte do tempo, a não ser quando descobri que jamais veria de novo o lugar da minha mocidade. Mas desde o primeiro instante aceitei e ao mesmo tempo escolhi o meu destino: ser esposa de um príncipe herdeiro, dar filhos para eternizar a linhagem e depois ajudar a gerar uma nova pátria no ventre da dominação e da guerra. Quem presta atenção numa mulher?”

SILVANA - “Porque foi ver Silvana para o coração bater no teto. Não só pela formosura, mas pela maneira decidida e liberta de ser. Aquilo era negra para ninguém botar defeito. Para mim, era uma rainha, e eu o príncipe mau que mata todos os pretendentes só para roubar a moça. Ah, meus amigos, conhecer Silvana foi a única coisa boa que me aconteceu em todo esse tempo em vivi sobre a terra. Valia mil guerras, podia derrotar um exército só com uma virada de rosto. Os olhos eram dois pregos cravados na tua alma como se tu fosse o crucificado. Não tinha como escapar daquela deusa. Mas eu ainda não tinha visto nada. Quando ela pela primeira vez dançou para mim, eu vi que estava perdido. O corpo era uma pintura, nem conto para não provocar inveja. Isso aconteceu no caminho de volta. Ela não aceitou minhas investidas porque sou judiado, mas ninguém me bota fora assim no primeiro encontro. Coloquei Silvana em cima de numa junta de bois e inventei uma espécie de cobertura parecida com as de carruagem. Ela vinha sacolejando, cheia de flor na cabeça, sorrindo de alegria porque ia rever o pai e mais faceira ainda porque lhe propus casamento e ela topou. Só para escapar de onde estava. Mais tarde me confessou que aprendeu a me amar. É como eu digo. Tudo se aprende nessa vida, até a gostar de um sujeito mal encarado com eu, que todos conhecem como Lanceiro Fabião, o rastreador”.

A VELHA – “- Puma, leão baio, suçuarana. Rosna mas não ruge. sopra e assobia. Pia como pássaro e abateu minha única vaquinha, se banqueteando sem deixar ninguém chegar perto. Não reparte. Devora até meus peixes quando a sanga está cheia. Não tenho mais o que comer. Com a guerra, a falta de homem deixou o bicho à vontade. Não espera mais a noite para caçar. Se expõe de dia e se diverte assustando as perdizes e os quero queros. Ronda meu casebre a qualquer hora do sol, da noite ou da chuva. Fixa os olhos em mim como se quisesse gravar meus pensamentos. Adivinha o que vou fazer e se adianta. Não tenho mais sossego. Antes fazia longas caminhadas para buscar o que comer, agora só fico roendo raízes. Mas vossa majestade, se é assim que se apresenta, não tem como me ajudar. Essa véia que o senhor contou, que se atirou a seus pés pedindo esmola, não é do meu feitio. Não há dinheiro que mate uma suçuarana. Só mesmo um tiro certeiro, depois de uma tocaia perfeita.”

DENISE – “A guerra levou minha vida e não colocou outra em meu lugar. Perdi pais, amigos, rotinas, estudos. Fui bombardeada por todo o corpo. Encontrei o amor no meio do troar do canhão, do fogo da metralha, do esguicho de sangue vertido pela baioneta. Engravidei e por isso tomei o trem de fuga para o interior do Paraná. Lá vi mais morte e derrota. Os líderes não sabiam comandar, os soldados não estavam preparados. Houve mais uma debandada, uma crueldade sem limites. Mas precisava de uma nova família e abracei a revolução. Cruzei a fronteira junto com as outras mulheres, proibidas de seguir no combate por ordem daquele capitão de pedra, o Luis Carlos Prestes. Me misturei às fêmeas que cuidavam dos soldados Minha gravidez ajudou a atrair apoio, carinho e confiança. Mas eu queria aprender sobre armas e não providenciar a roupa ou a comida. Com o barrigão crescendo, azeitei e montei armas, fiz mira em coruja e comecei a abater o inimigo nos momentos mais duros das correrias disfarçadas em batalhas. Fiz a coluna por muitos quilômetros. Atravessamos a pé e a cavalo todos os desertos. Anônima, eu era o retrato da fuligem. Só quando pari no meio dos cactos é que me deixaram de lado. Não me queriam mais. Eu insistia que continuaria combatente, mas não podia haver choro de criança em acampamento militar”.

RETORNO -Livreiro, faça sua encomenda. Amigo, adquira seu exemplar autografado. Escrevam para neiduclos@gmail.com. TUDO O QUE PISA DEIXA RASTRO (Edição do Autor, 161 pgs., R$ 30), livro selecionado pelo programa Petrobras Cultural.

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