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5 de fevereiro de 2015

NOTAS DE RECOMEÇO



Nei Duclós

Não são as coisas que passam pela tua mente. É o contrário. Tudo está fixo. Só tua percepção tem movimento.

O ano faz de conta que começa. É sempre o mesmo, mas festeja o renascimento. Bom exemplo pra quem comemora só na aparência.

Perder a esperança é deixar-se dominar pelo medo. Soa falso? Palavra que não entendo: se nascemos mortais o que nos impede o eterno?

OVERDOSE


Já vi que 2015 será de overdose. Tsunami poético na veia. Política arrasa quarteirão. Guerra entre continentes. Tempestades boreais no deserto. Filmes definitivos. Canções amargas. Valsas tiradas em uma só corda. Pássaros em migração para o lado escuro da Lua. Paixões sonâmbulas atacando a despensa na madrugada. Florestas que viram plantações de víboras. Colheita de urzes. Viagens para Júpiter. Declarações adversas. Queda de muros. Derrama de mel em corpos trêmulos. Nuvens que são montanhas. Estrelas cadentes como granizo. Textos em delírio. Notícias mortas. Portas abertas para escadarias de cristal. Cítaras e tiaras.Torpes confissões Plateias mudas. Plêiade de centauros. Jarros de ambrosia. Invenções retrospectivas. Naves subterrâneas. Cidades flutuantes. E uma nova fonte de energia, conseguida com muito ânimo por gigantes invisíveis, vindos da Terra quando era moça e ainda não tinha densidade para virar o caos que agora estamos.



TENTAÇÃO

Te equilibras por instinto
e por indiferença. Sabes
que não cairás no abismo
Meu olhar te segura, corpo
em curvas. Me admira
que não atentes ao perigo
Podes matar, tentação
extrema. Quem te segura
flor de renda e perfume?


PACIÊNCIA

Pesquiso o poema com paciência.
Não presto contas da minha lida
Cubro o laboratório com a lona fria
tecida pelo outono na noite imensa
Faço química pesada, transmuto
flor em cacto, pétala em sereno
Depois tudo volta ao normal.
A natureza providencia o barro


LOCATÁRIO

A obra não me pertence. Sou locatário
alugo espaço por ordem de certo dono
um alto espírito que mora nos telhados
espanando a Lua, um louco de pedra

Ele me entrega, todo dia, denso pacote
para que eu desembrulhe em versos
dá trabalho, mas vale, sou chamado
de poeta, vate, ou coisa que o valha

Batem em minhas costas, como fosse
a tosse que me atormenta, quem dera
É mais a dúvida de ser autor sem base

Me cumprimentam por ser tão preciso
nas palavras que fugiriam não fosse
eu mesmo a malhar a alma sem juízo

Dar um tempo. Te venderam esta ideia.


UM ALÔ

Não tenho paciência para teus eventos.
Nem teus gostos, teus passatempos.
Passo lotado pelos teus tormentos
Sabe tua canção favorita? Não gostei
O que resta então do que me convence
ser este um amor e não uma besteira?
A gloriosa beleza, teu coração de gesso
que se molda conforme dedico versos?
Eu me pergunto, pois a toda hora somes
e me deixa em dúvida se vale o esforço
de ser teu abandonado pelas diferenças
Mas basta um alô e estou de volta ao eito
lavrador do que brota como flores xucras
Esse sentimento, fruto teimoso e burro


FINAL

No último dia do ano
me cerca uma súbita
noção de mortalidade
Nunca mais voltamos
Que arapuca, Deus
a eternidade

 RETORNO - Imagem desta edição: obra de Diego Rivera.

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