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2 de novembro de 2014

FUNDO INFINITO

Nei Duclós

Poesia de fundo infinito. Água acima do pescoço. Não dá pé quando sinto.

Toco em ti como se mergulhasse. Falta ar, submersa.

Me recebeste com o olhar casual, mas que devassa. Tens esse dom, de não prestar atenção no que te faz fada.

Deixaste todas as pistas para eu descobrir que és sereia. Passos de água salgada, nadadeiras de seda.

Ninguém pode com a fragilidade. O fôlego da pétala, a força da queda.

Escondi o poema atrás da porta, Quando foste embora, ele despencou, barulhento.

Levamos a vida para ficar prontos. Aí ficamos satisfeitos e damos o fora.

Não pense que deixei de lado o encontro permanente que nos une. Estou de olho quando dás um tempo.

Confesse que na sua gestão houve desvio de versos.

Só eu não te abraço, pedaço de mim. Só em mim evitas o laço, enquanto distribuis, carrasca, teu sorriso disponível em selfies sem fim.

Guardei para depois o ofício do talento. Mas ele se adiantou e irrompeu na sala bem na hora em que a literatura varria o piso com afinco.

A tempestade passa e leva o que nem devias ter dito. Ficas em solidão, com tua poesia absoluta.

Me pergunto se ainda te amo depois de tanta desavença. Ninguém responde, a não ser o noturno firmamento

Sentiste falta do que me sussurram os ventos. Sou mensageiro do perfume que exalas de olho aceso.

Que farás agora com o algoz que te parte ao meio? Negarás o fogo que te queima os nervos?

A paixão domina e se apropria das palavras. Releve o que dizem e atenha-se ao que pulsa no avesso do silêncio.

Virei meu barco para aportar em ti, praia distante.

Sempre te vejo. Moras na paisagem dos meus olhos, coração de outras terras

Estás presa em minhas mãos como se fosse uma armadilha. Te debates, passarinha

De repente ficaste pertinha. Respiras o meu ar, sedução sem pausa.

Te escondes nas dobras do tempo. Mas te dás de presente.

Tenho fôlego curto. Respiro apressado na escadaria do teu desejo.

Não tenho inspiração, tenho você, fole de uma sinfonia perene.

Gostar é perda de tempo. Preferimos gastar o acervo do sentimento na solidão que não reverte em açucenas.

Ao vivo não me verás inteiro. Serei o que temo, trêmulo admirador da tua imagem no espelho.

Acordei domingo fora do calendário. No espaço repartido contigo, quando arrasas

Percebes o verso encruado em granitos, que eu ofereço na crueza do cinzel bruto.

Deixei de lado a beleza, fui atrás da verdade. Encontrei-a frente ao espelho.

Te chovi de versos mas não vieste ver as folhas molhadas em doce compasso.

 

FULIGEM

Arrisquei o poema quando havia fuligem.
Com afinco limpou o tempo
como se fosse a asa de um anjo.
Os pássaros gritam quando o sonho respira.
 

AVENTAL

Desistes do sonho
se ele toma conta da pele.
Preferes o corpo sem avental
no pátio da manhã ainda escura,
quando escutas o roçar de espinhos
em teus arrepios de ouro.

DISCURSO

Amor dispensa o discurso
As palavras se calam
quando o amor está por perto

Nada fica em silêncio
quando o amor se manifesta
o vento fala quando te abraça

Amor compensa a renúncia
Preenche os terrenos baldios
da tua ausência


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Erika Craig

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