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18 de outubro de 2014

FRIENDS: A MOLECAGEM TARDIA



Nei Duclós

Friends, sitcom de David Crane e Marta Kauffman, é uma república mista de adolescentes tardios, que adiam a maturidade protegendo mutuamente, por meio de molecagens, seus hábitos infantis sobreviventes na sociedade do espetáculo e do consumo. Todos se unem contra adventícios, ameaça à solidez do grupo e que podem introduzir uma cunha fatal no comportamento neurótico, aparentemente confortável. Há uma gradação da irresponsabilidade cultivada numa vida que deveria ser adulta.

O mais baixo escalão dessa situação limite que encantou o público de 1993 a 2004 e é reprisada todos os dias no canal da Warner, é Ross (David Schwimmer), que desmoraliza a formação acadêmica (é palentólogo) com uma obsessão ególatra faminta de apoio e afirmação a cada gesto. Trapalhão, não assume a paixão por Rachel por ser sinônimo de casamento e filhos. Circula ao redor da amada dispersando-se em casos sem futuro e a toda hora se entregando a regressões. Ele ainda acredita que seu cãozinho Chi chi foi realmente para o sitio, como mentiram seus pais, e não morreu, como de fato aconteceu.

Um grau acima, igualmente naif, é Phoebe (Lisa Kudrow), ex-menina de rua que combina uma burrice posuda com um cinismo hilário. Pretendendo ser correta para contrabalançar seu passado de transgressões, empresta a barriga para uma parente ter um filho e é uma espécie de guardiã do espírito do grupo, não admitindo defecções.  Acha que faz música, para desespero dos ouvintes e finge que não vê o desconforto que causa com seu comportamento compulsivo.

Na sequência vem Joey (Matt LeBlanc), um idiota fortudo eternamente em testes de interpretação, que cai em tentação homossexual com Ross como representação dessa fuga permanente da relação com consequências, como a reprodução (pelo menos é assim que é colocado no sitcom). Joey é a ignorância ágrafa, não lê nada e age intuitivamente, o que consolida a postura da equipe em relação à impermeabilidade ao mundo exterior. Aparentemente todo o grupo é in, mas no fundo formaram uma barreira que impede qualquer mudança de atitude coletiva.

Rachel tem um pé no amadurecimento, mas a toda hora é puxada para a infantilidade. Disputa guloseimas roubadas com outros elementos do grupo, finge que não se abala com a ruptura com Ross, tateia uma atividade remunerada como garçonete trapalhona do Central Perk, o bar onde todos se encontram etc. Rachel é a bonitinha da classe e mantém seu impasse amoroso tentando ser conselheira do amado perdido disfarçado em pura amizade. Ela exerce o papel de convencimento grupal, de que todos estão a fim de sair daquela situação, mas no fundo gostam e fazem tudo para permanecer no atraso.

Chandler (Matthew Perry) parece ser o mais equilibrado, mas faz concessões a todas as cretinices dos seus companheiros, servindo de escada para a falsidade dos namoros, até cair nos braços da líder de Friends, a chef Monica (Courteney Cox), enfim uma relação amorosa duradoura que rompe o círculo granítico da república interminável. É hora de desfazer o acordo e todos vão para seu lado. Chegam os casamentos, os filhos e a maturidade. A neurose hilária permanece como um momento da vida em que a cidadania desfeita pelo conforto acha que pode dribar a barra pesada da vida.

A vida não faz graça com ninguém. Não adianta se enquadrilhar. Nem se agarrar à síndrome de Peter Pan, que se recusava a crescer. O sucesso da série tem a ver com essa identificação com multidões de adultos e ainda saudosos da infância. Mas também com a arte da comédia baseada em alguns cânones. Phobe tem tudo de Stan Laurel, com seu ar permanente de pisco-ísco poético e atrapalhado. Joey, Ross e Chandler são uma espécie de Três Patetas que vivem grudados se agredindo mutuamente. Monica é a chance do pastelão, a comédia tradicional que usa a comida para lambuzar a cara dos protagonistas. Rachel é a graça da comédia romântica, que se mantém à parte de quem mais ama exatamente por estar próximo demais, e no fim acaba se rendendo às evidências dessa relação que parece ser de berço.


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