Nei Duclós
A cada dia que passa, fica mais nítida a percepção do estrago
provocado pelos 7 gols a 1 que o Brasil levou da seleção da Alemanha na
semifinal do Mineirão da Copa de 2014. O
primeiro prejuízo, fundo como todos os outros, é querer relevar o evento, como
se fosse apenas um jogo de futebol,quando foi a imolação suicida de uma nação na
cena internacional, que estava inteira focada em nós. O Brasil provocou esse
haraquiri, pois se iludiu que estava abafando e que poderia triunfar frente a
um time disciplinado, coeso e objetivo, mesmo tendo chegado no confronto fatal depois
de um sufoco de sucessivos resultados pífios.
Os alemães aproveitaram a recepção de bordel que o Brasil
ofereceu ao mundo inteiro sem se deixarem levar pela sacanagem. Descobriram
cedo que o país não tinha um lugar à altura para a sua seleção se hospedar, por
isso construíram um resort, longe das armadilhas da torcida e da mídia, que se
locupletou, junto com c cartolagem bandida e a publicidade invasiva, enquanto
escorregávamos para o abismo. A Alemanha treinou nos horários senegalescos dos
jogos e se adaptou ao clima, como expedicionários em missão num território
hostil. Outras seleções acreditaram na hospedagem e foram cedo para casa, como
Inglaterra e Espanha.
De nossa parte, confiamos num técnico que já provou sua
competência em outras competições inclusive
na Copa da Confederações, mas que deixou-se levar pelo improviso e a soberba.
Armou o time ofensivo sem ter atacantes à altura, escancarando um espaço no
meio de campo, exatamente o lugar onde a Alemanha governa. Foi como construir a
linha Maginot diante da Blitzkrieg. O resultado foi a invasão da nossa capital,
o futebol., depois que os tanques do adversário passearam pelo campo como se
fossem os conquistadores vikings em vinhas tépidas do Mediterrâneo. Provamos
assim que somos um tesouro a céu aberto, pronto para ser dilapidado.
Por que deixamos isso acontecer? Nossa culpa. Destruímos
nossas riquezas permitindo que grupos de criminosos dominem o país e o
entreguem de bandeja para todas as máfias, que aqui encontraram seu pouso
definitivo. Com mais de 50 mil homicídios por ano, e quase 30 mil roubos em São
Paulo só no mês de maio último, sabemos a quem pertence a nação que um dia foi
soberana: às inumeráveis quadrilhas dentro e fora da cadeia que se servem da
cidadania em pânico.
A prostituição institucionalizada, a venda ilegal e
permissiva num varejão inominável de drogas em bairros residenciais, a putaria
generalizada, a alegria forjada, a neutralização dos protestos, os acordos com
o crime para maneirar agora e se deitar na sopa depois, a ineficiência
policial, devastada por políticas públicas da insegurança total, a falta endêmica
de educação, dos líderes à população, as
negociatas políticas, as traições à Justiça, a corrupção permeando cada detalhe
da vida nacional, a expropriação indébita via sistema extorsivo de tributos, a
economia decrescente convivendo com a propaganda mentirosa, como nas mais célebres
tiranias, são a soma que resultaram no fiasco absoluto do jogo decisivo, quando
perdemos o direito até de colocar a cara num saco, porque nele está explícito, em
letras luminosas e garrafais, a humilhação que cavamos em nossas vísceras e
veio à superfície no momento em que mais precisávamos de autoestima.
Lamber as feridas não adianta. Achar que os alemães estão
sendo generosos e elegantes depois de nos dar uma surra é considerá-los
racialmente superiores. Aturar a soberba e a barbárie argentina, que soube
enfrentar os conflitos em campo com a mesma caradurice de seus maus e
desprezíveis hábitos, é o que nos resta. Fizeram a festa enquanto nós ficamos
com o lixo. Todos somos culpados. Nos iludimos quando estávamos prestes a ter
um lampejo de lucidez. Baixamos as armas no momento exato em que a política nos
atropelava.
Agora virão as eleições.A totalização digital dos votos,
manipuláveis até minutos antes do encerramento do expediente das urnas, como
disse um hacker numa palestra (e ninguém deu bola) é que vai decidir quem
continuará nos governando. Retalhamos o país em postas e atiramos os pedaços
para a voragem das feras. Não somos mais um país. Somos um bando. A derrota
suprema, humilhante e acachapante arrancou do nosso peito as cinco estrelas
arduamente conquistadas. Voltamos à estaca zero. Chorar só piora. Ignorar o
estrago só dará continuidade ao crime. O mínimo que podemos fazer é enxergar
direito onde fomos nos meter.
E a paisagem não é bucólica. É de horror.
Finalmente um artigo que diz exatamente o que estava preso na minha garganta. Obrigado, Nei.
ResponderExcluirTe agradeço, Rafael!
Excluir