Nei Duclós
O tempo apaga a nitidez, gera
a neblina. Cortina em meu olhar
vultos em concílio fazem sentido
rápidos como a sombra que imita
a luz e formam a bizarra carne
nas margens da moldura que limita
cenas nunca vistas, um universo
ofertado depois do excesso
Vimos de tudo e nada ficou
gôndolas na Indochina, tártaros
em Veneza, terra vermelha
da cidade que brotou no funeral
da floresta e por lá passaste um dia
cavalgando uma lata velha
Agora que nada vemos tudo fica
impregnado no perene zumbido
Lagartos se arrastam no assoalho
vejo coisas enfim fora do mapa
posso acreditar na idade úmida
que cevou a escrita em argila
e o primeiro verso nasceu por acaso
quando a sílaba resolveu cantar
para que a palavra perdesse
sua espessura de rocha ígnea
Minha loucura inundou a sala
e pintou avalanches na parede
o pesadelo lisérgico de uma noite
que te acordo em meio à ventania
estás nu, sem o arame das lentes
e tateias o escuro em dia claro
alpinista na gruta, queres ver lá fora
o que Zeus do Olimpo joga no lixo