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17 de fevereiro de 2014

PECADOS E VIRTUDES EM PHILOMENA



Nei Duclós

Os pecados em Philomena (de Stephen Frears, 2013) estão bem explícitos: a Igreja Católica e seu horror ao sexo, as freiras do Sagrado Coração, malignas e vendilhonas de bebês bastardos para famílias ricas estéreis de países ricos, o silêncio e a submissão de quem renunciou ao  filho roubado e só foi atrás dele depois de muitos anos. O catolicismo cruel e sua instituição condenada, a família heterossexual nuclear, se contrapõem aos virtuosos do filme: o cético jornalista e ex-assessor político, ou o casal homoafetivo que opunha sinceridade à artificialidade da instituição matrimonial tradicional.


Nessa clivagem tendenciosa até o extremo, o filme navega pela mão da talentosa e experiente veterana Julie Dench, que debocha o tempo todo da sua personagem, uma irlandesa bronca que gostava de ler romances água com açúcar. Dench é inteligente demais para o papel que ela demole a cada cena, mesmo sobrepondo às falas e gestos uma densidade brutal de emoção e transparência. Steve Coogan, que interpreta o fracassado assessor demitido por dizer o que não disse, sofre essa contradição entre a queda de uma situação econômica e social de conforto para o risco de ir atrás de uma história que tem tudo para ser um dramalhão explorado pela falta de escrúpulos da mídia.

O anticlericalismo do filme peca pelo equívoco e o excesso. Não se pode sobrecarregar a instituição de caridade das freiras do Sagrado Coração – fisicamente apresentada como se fosse um cemitério - com um perfil hediondo de crimes inconfessáveis. O perdão para quem não merece não é a prova de que os católicos são coniventes com os crimes da religião. A fé não é exclusiva de espíritos toscos e ágrafos. No filme, a inteligência está confinada à opção de gênero, à assessoria de estadistas ultraconsevadores, ao espírito atento do repórter. As trevas, como nos tempos da Reforma, é atribuída ao catolicismo e seus efeitos colaterais.

É permitido criticar essa soberba de enfoque numa época em que voltou à moda a crítica contundente contra a Igreja de séculos anteriores, como se ela permanecesse idêntica, assumindo a mesmice que no fim faz parte de quem lhe aponta o dedo? Ou devemos nos emocionar e aplaudir a manipulação de uma história “baseada em fatos reais” só porque é preciso  aplacar nossa má consciência? Não se trata de fechar com os erros católicos, mas de abrir a guarda para a diversidade das opções humanas. A Igreja não é inocente, como qualquer instituição humana, mas também não é toda ela um antro de abominações. A modernidade do comportamento – o ceticismo do jornalista, a relação homoafetiva – não deve ser colocada como exclusivamente virtuosa, coisa que o filme faz com veemência.

Filme bem feito, denso, de narrativa bem estruturada, com excelentes atores, muito bem dirigidos. Mas peca por acreditar que convence os espectadores de sua independência de abordagem. É uma obra tendenciosa, embora aparentemente a favor da liberdade de opinião. E nisso reside sua pobreza. No fundo, foi feito para agradar a grande massa agnóstica, os defensores de relações humanas fora da família nuclear tradicional, os que sonham com uma vida de independência financeira que só a assessoria política bem remunerada ou o jornalismo investigativo de grandes veículos poderão proporcionar.