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31 de outubro de 2013

LUZ QUE TE DESENHA



Nei Duclós

Venha dizer, maçã e gerânio. Sopro macio, que cruza o oceano.

Domar a vontade de perder-me. Mergulhar na luz que te desenha

Dormimos ao relento de um amor no começo. Complicado jogo de cobertas. Acordamos em alto mar, mortos de espanto.

Não há segredo. E quando houver, deixe.

Fora do molde, longe do modelo. Apenas nós, criaturas precárias. A única força é esse sentimento. E, claro, o extremo cuidado com algum detalhe, para fisgar o beijo.

Te escondes, tentação de fogo. Me queimo, diante do teu corpo.

Falo cifrado para que não atentem, pitonisa de sonhos.

Estavas quieta, contente. Fui mexer contigo, travesso. Lançaste uma flecha, veneno. Depois me queixo, em teu banho.

Lanças uma ponte, o namoro. Difícil, com minha vocação de abismo.

Te inventei, porque te foste. Depois que me desconstruíste. Arquiteta pelo avesso.

Floriste, por hábito. Oculto riso sob o rosto imóvel. Ninguém viu a correnteza interna. Só eu, demiurgo do verbo.

Não sei mais o que dizer, disse ele. Permaneça no beijo, disse ela.


RETORNO -  Meus 65 anos.

AGRADECIMENTO

 Tanto amor que nem mais cabe nos limites do dia.
 Extrapola, como estrela cadente ao contrário.
 Sai do fundo da terra para o espaço
 Incendeia-se em permanente viagem

 Tanto amor que vira ciranda
 na mecânica dos astros
 música das esferas
 constelação de abraços

 Nei Duclós

( Para todos que me felicitam neste 29 de outubro)

30 de outubro de 2013

INVASIVA



Nei Duclós

Tua inconstância é busca
teu desacato é chama
tua ruptura é arte
teu desconforto é gana

Invades, brusca literatura,
não convicta, à margem,
que me puxa sem alarde,
me tira da borda, convoca

Teu sufoco é sorte. Choque
de supernova em céu
a descoberto. Corte
de uma navalha cega

Reflexo de um novo norte
refluxo de maré sôfrega
combinas corpo com fátuo
fogo, filosófico desejo

Quem te guarda, liberta?
Nada te ata, ou soletra
quero-te toda, insolente
espasmo, fora da ordem

29 de outubro de 2013

AREIA MOLHADA



Nei Duclós

Estou pertinho de não ser mais nada. Assim como gota d´água, grão de areia molhada.

O amor que me dedicam ultrapassa meu limite está além do que vivo. Faço parte das estrelas
quebrei o teto de vidro

Pétalas no teu rosto, sonho aqui de longe.

Sabes o quanto de flor tens para o banho de espuma do meu olhar.

Levantei cedo para desperdiçar mais tempo. Assim acumulo mais vida do que gastei contigo.

O poema faz parte do amor por ser livre.

Enquanto você dorme, o amor trabalha, gerando teias de ouro entre inúmeros sonhos.

Em todas as vidas paralelas, és minha amiga. Só numa delas somos amantes. Nessa, quero ficar para sempre.

Você é o amor que eu escondo no meu casaco de couro

Me tens como a neblina não é clara. Como a brisa bate o joelho. Como o luar em teu seio.


DESPEJO

Amor é o habite-se. Adeus, o despejo

Dancei na tua mão. Fiz teu jogo. Agora pago o mico da relação.

É público e notório: amar é insuportável.Única coisa não descartável neste mundo provisório.

.Não cansaste de mim, mas sim do que esperavas de mim por motivos misteriosos.

É dificil acostumar-se de novo à solidão, incômoda arena. Ali o coração não cabe, a emoção se perde.

Nunca aprendemos a lição pois o amor é uma criatura sem vínculos com a realidade. Amadurecer significa perdê-lo na lucidez covarde

O erro foi carregar a cinza inevitável do sentimento que completou seu ciclo e misturou-se à terra. Era preciso deixá-lo ir, no vento ou em direção à futura árvore.

Fomos amor só por um instante. Depois morremos, liquidados pelo clarão insuportável.

Me descobriste prisioneiro num espaço que parecia liberdade. Não suportaste a humana revelação da verdade.

Inventaste um lugar onde só cabia teu sonho. O amor ficou de fora.

Foste embora para sentir de novo o gosto de voltar. Mas a cidade tinha sumido.


VERMELHO

Outubro é vermelho. Não se muda a natureza das coisas.

Pensa que nasci ontem. Nasci hoje, penso.
Não autorizo nenhuma biografia sobre mim, disse Al Capone

Em cada um convive o carisma e o prosaico. Vasos comunicantes e quebráveis.

 

ANIVERSÁRIO INESQUECÍVEL

Nei Duclós

 Não lembro aniversários, só de um
 aos dez anos de idade, quando esqueceram
 a data. Fiquei em silêncio para marcar território
 Imaginei que isso atrairia o remoroso e iriam
 me festejar tardiamente, o que daria vez
 para eu expressar minha total decepção

 Só que ninguém atinava com a birra
 até que, afogado em mágoa, fiz um gesto
 para desencadear a lembrança.
 Foi quando despencaram com abraços.
 O presente veio tarde, acho que era um revólver
 que usei para matar todos os meus sonhos

 Foi minha cicatriz mais profunda
 Se aquilo acontecia numa família
 imaginem num campo de concentração
 numa passeata, num escritório. Se uma casa
 se prestava para tanta dor, daria para ver
 o fim do mundo em qualquer praça

 Mas o tempo passou e descobri
 que tinha sido meu melhor aniversário.
 Revelou que nada tem importância,
 que somos pó e ao pó voltaremos.
 E quem se importa com bolo e velinhas
 quando se usa ainda calças curtas?

 Aproveitei para ir ao cinema, ver um faroeste
 Lá sentei com cerimônia na cadeira, sozinho
 e falei para John Wayne armado de chapéu e balas
 que tinha chegado a hora da minha morte
 Ao que o cowboy replicou, sábio e sarcástico:
 Não terás tanta sorte!




28 de outubro de 2013

DESISTA DO JOGO



Nei Duclós

Estava acordado quando você me sonhou.

Desista do jogo, o amor sempre vence.

Não quero que me avises. Não precisa. Teu perfume é o gatilho.

Amor, tinha esquecido. Lembrei, amor antigo. Voltei, estou contigo.

Fique perto. Poesia é quando desistimos de viver no deserto.

Vou me esconder para saber o que você acha de mim.

Nem se dá conta da sua beleza. Acha que exagero. Nem chego aos pés, graça plena.

Ainda é cedo na tarde, mas já pus palavras na fila do poente. Quando chegar o fim do expediente teu comando apagará o incêndio

O poema está exausto, na beira do poço. Pediu água, o meliante.

Viver é essa perda maravilhosa de tempo.

Minha saudade de ti é um vazio estelar. Infinito.
  
 Agora volto ao amor, que o amor salva. Nos tira do sinistro território.
    
Nego o flagrante. Sou uma versão ambulante.

A Lua acostou-se no horizonte, seu leito de insone, e ficou sob a lâmpada de Vênus na noite inventada pelo sábado recente.

Tire do amor o peso morto.

Finges inocência depois do escândalo. Vou aprontar bastante para ver se te amanso.



SELETA

Escrevo por parábolas. Recitas na praça, arrulho de pombas.

Voltaste com teu acervo de toques. Depois de me derrubar me deixa, porque teu destino é a distância.

Estou precisando. Sele um beijo numa carta e me mande. Quando eu abrir, sentirás meus lábios de longe.

Teus lábios próximos demais com vocação de beijo. Sou o que treme.

Não me leia, disse ela. Ainda estou me arrumando.

Faça o favor de vir, viração, fonte de conflitos. Venha, batom e cílios.