Nei Duclós
Atribuir ao adversário político os próprios crimes virou
moda no Brasil. No documentário 1935: O Assalto ao Poder (2002), de Claudio
Kahns e Lauro Escorel, essa tendência vem travestida de ciência histórica. Está
provado que foi a ditadura soviética que aparelhou 11 militantes internacionais
para derrubar o governo constituinte no Brasil em 1935 mas o filme mostra, de maneira tendenciosa, a “escalada
autoritária” do governo Vargas, que teria usado a violência que vitimou vários
militares como pretexto para arrochar o regime. Como assim, pretexto? O assalto
ao poder já vinha se desenhando desde que Prestes, anunciado pelo comunista
Carlos Lacerda, rompeu com a legalidade ao convocar a Aliança Nacional
Libertadora para as armas. E a conspirata
tinha tomado conta nos quartéis pelas mãos das células comunistas implantadas pelo
Brasil, como pude verificar em pesquisa nos arquivos do Deops quando fui
estudante de História na USP.
Ou seja, havia uma radicalização anticonstituinte e antilegalista
no movimento de massas, uma conspiração aberta comunista nos quartéis (que se
manifestou no próprio movimento de 1935) e um grupo de militantes aparelhados
pela ditadura soviética agindo em território nacional, além do tiroteio das batalhas
da Intentona. Isso foi só um pretexto? São fatos. Mas o documentário tenta
conduzir o espectador para a condenação do governo Vaergas por meio desses
truques e ainda mais um , para justificar a sacanagem: atribuir a Vargas o
integralismo, que lhe era contrário e até mesmo tentou derrubar Vargas em 1938
num assalto armado mal sucedido ao Palácio do Catete.
O desprezo á Constituinte é do próprio documentário, que
atribui esse desprezo a Vargas, que teria governado com má vontade em relação á
Constituição Vargas jurou fidelidade à Carta Magna, criada a partir de uma assembleia
eleita pelo voto direito, inclusive o da mulher, pela primeira vez no Brasil. Mas
a ANL, pelas mãos de dois criminosos, os comunistas Carlos Lacerda e Luis
Carlos Prestes, feriram o governo constituinte de morte, preparando terreno
para um golpe de direita, nazista, que foi abortado pela instituição do Estado
Novo, nacionalista, em novembro de 1937, que conduziu o Brasil no período da II
Guerra apoiando os Aliados com armas na mão na luta europeia contra o nazifascismo,
consolidando as leis trabalhistas,
implantando a siderurgia e zerando a dívida externa.
O mau serviço do golpe militar de 1935, de inspiração
soviética contra o governo democrático constituinte
colocou as Forças Armadas de prontidão contra a democracia, já que foi no
regime democrático que os comunistas aproveitaram para tentar instaurar a
ditadura. Mas tudo fica sendo mais um episódio da era Vargas. O governo
constituinte, para se defender, criou a Lei de Segurança Nacional, pressionado
pela direita, que estava prestes a dar o golpe. Mas isso é considerado a prova
maior das más intenções de Vargas, como se tudo que o grande estadista tivesse
feito servisse apenas para confirmar a calúnia histórica repetida diariamente
há maias de 70 anos.
É execrável que essa distorção tenha o aval de historiadores
notórios como Boris Fausto, que domina o cenário da pedagogia sobre a História
do Brasil, ou paspalhões históricos como Paulo Sérgio Pinheiro, bem fornido
burocrata da ONU, que está em TODOS os documentários do tenentismo na indústria
audiovisual. Pinheiro, viúvo da República Velha, faz campanha sistemática
contra as revoluções brasileiras, dizendo que nunca houve ruptura no Brasil,
nem em 1889, 1930 ou 1964. Ora, deixe de bobagem. A República rompeu sim com a
monarquia, tanto é que precisou três anos de guerra para se consolidar. E 1930
rompeu com o Brasil tradicional, inventado o Brasil moderno. E 1964 rompeu com
o Brasil soberano, a obra iniciada por Dom Pedro II e consolidada por Vargas.
Vi na TV Escola um programa em que apresentadores ensinam os
professores a atribuir a Vargas o autoritarismo, como se isso fosse uma
percepção democrática. Não é não. Caluniar o governo constituinte de Vargas,
que foi eleito pelo voto indireto em 1933 e pelo direto em 1950, uma lavada popular
de votos, é mentir o tempo todo. Parem de mentir. Chega de calúnicas. Chega de
assalto à razão. No documentário podemos ver porque o comunista arrependido Carlos
Lacerda, mais tarde, atribuiu ao trabalhismo a pecha de comunista, o que
justificou o crime hediondo de 1964. Ele queria se livrar desse pecado original.