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4 de maio de 2013

MOTOR DE DIA CLARO



Nei Duclós

Fugiste de mim para não sentir o que sentias. Aquele rouco motor de dia claro abrindo tuas janelas de penumbra.

Quando nos conhecemos, nem eras nascida e eu já não estava mais vivo. Mas nos enredamos e da solidão soltaram-se os passarinhos.

Fui te buscar, paixão. Te trouxe para um lugar, o coração. Posso te tocar, perdição?

Estou fora de combate se evitas meu verbo. A linguagem é a única arma que eu disponho.

Água misturada ao barro no outono da sanga. Teu coração florido espantando as rãs.

Tempo é paradoxo: no amor é eterno e urgente ao mesmo tempo.

Te arrependes quando o amor domina a cena. Preferes o conforto da distância, que aparentemente não machuca. Evitas assim o bálsamo, a cura.

Previsão do tempo: choverás a leste, onde guardo os rebanhos. Molharás meus pés com tua água salobra.

Pouso em teu voo e navego de carona.

Cada coisa linda que você me diz quando lê poesia. Realimenta o verbo, musa contínua.

Me beija todo para retaliar a oferta, pois fui eu quem começou esse conforto geodésico, em que estás numa redoma de desejo.

Me dá boa noite assim sem mais nem menos. Como se ao dormirmos pudéssemos escapar dos corpos sedentos.

Antes de tocar o dia, perca tempo na poesia. Vais recuperá-lo quando forem brutos contigo, pois estarás protegida por um colchão de doçura.

Cada minuto dedico à fantasia. Teu caldo de delícia.

Depois me esqueça, como fazes sempre. Lembrarás quando bater a brisa.

Pessoa dos meus sonhos, é assim que funciona. A palavra em voo permanente em direção ao espanto.

Passe lotada pelo mendigo do poema. Ele pede beijo em troca de uma vida.

Todos os poemas perdidos estão guardados em algum instante por onde passaste, peregrina. Impregnados como areia em tua túnica lotada.

Cultivei a palavra como fui ensinado. Ela medrou, fina flor no deserto. Recebe os pássaros, nossos sonhos libertos.

Quando disserem que sou assim, não escute. Sou como tu, dentro de tudo.

Por que me dedico ao oficio insano? Por ser a fonte da saúde, vento a todo pano.

Se ainda existir amor, remoto futuro, não será necessário o poema que construo. Serás do ramo, tempo maduro.

Decidi te escrever, remoto futuro. Espero que te alcance esse verso habitado. Ele terá lugar em teu ignoto rumo.

Quando tudo nos falta, temos o poema. Rebento morno em pétala de açucena.

Amor não visa lucro a não ser que teu beijo exceda na retribuição.


Não misturo as estações quando dizes que gostas. Estaciono no verão.

Fizemos isso ontem. Parece que foi hoje.

Pediste um tempo. Não dei, mas tomaste.

Se eu passar a mão, deixa? Se houver amor, passa? Se eu deixar passar, chora? Se eu disser minha, queres? Se eu quiser toda, sonhas? Se eu chamar loba, mordes? Se eu tocar fundo, foges?

Não importa o que nos dissemos. O corpo ignora a palavra, patroa de conflitos.


BOLA QUADRADA

Admiração foca o fato, não a versão.

Não cultivo amizades. Depois tem que colher.

Não me ponha no pódio para eu servir de alvo. Prefiro o anonimato, teto seguro.

País é o que reage. O que se cala é colônia.

A palavra guarda por baixo do pano o que é desperdiçado ao longo do ano.

O século 20 é o continente onde fui criado. O 21 uma ilha deserta. Não há barco para navegar no mar do tempo.

Você fala o que quer, eu seleciono o que bem entendo. É via de mão dupla.


RETORNO -  Imagem desta edição: Ingrid Bergman.