Nei Duclós
Teu brilho independe da aparência. Não que tua inteligência
precise de elogio, seria redundância. Falo do esplendor que emites quando
andas.
Guardaste um pouco de sonho na bolsa para me mostrar na hora
do almoço?
Sou imune aos teus encantos. Meus olhos fixos no alto e não
nos teus sapatos, aqueles vermelhos, com laço.
Passar a limpo, só naquele tempo, de cadernos e folhas
soltas. Hoje não fabricamos rascunhos, apenas coisas definitivas. Perdemos o
vínculo com os registros, que pulsam em passados sujos.
O poema cansa tua beleza. Por isso escreves sinais
misteriosos em lagos ocultos, usando a ponta de folhas mortas. Sinais que somem
logo que surgem. E que ocupam o único lugar real, a memória.
Te amo tanto que deixei de lado a poesia. Hoje apenas
observo os pássaros desmaiados do crepúsculo.
Conversa considerada frescura é a mais excluída das
criaturas. Costuma ficar muda para que o marmanjismo de todos os gêneros teça
seus inúteis arames farpados.
Quando embrulho meia dúzia de corpos celestes - luas,
estrelas, cometas - para te dar de presente, bem que poderias fingir espanto.
Estás toda pimpona, de respiração presa e inflada,
indiferente aos meus acenos. Eu tinha esquecido como recomeça a solidão.
HORA DA LUA
Está na hora da Lua. Tome cuidado, ela morde.
A Lua vai descendo enquanto o sol lhe chama. Viaja para
outro céu, que tenha estrelas.
Hoje é domingo! disse a Lua, justificando a espera. Pensei
que estavas com o mar, disse o Sol, fingindo indiferença.
O dia flagrou a Lua em seu reinado noturno. Precisa ver como
está linda espiando os raios do Leste. Parece vergonha, daquelas antigas, na
véspera do encontro.
A Lua cheia namora minha janela. Acordou? pergunta ela,
passando pó de nuvem em sua face amarela.
RETORNO – Imagem desta edição: Dominique Sanda.