Nei Duclós
Nós, escritores brasileiros, usamos uma linguagem própria,
que desenvolvemos nas nossas selvas. Escrevemos
batendo com as mãos no peito. Isso nos inviabiliza para os romances, muito
intensos. Tem alguns que conseguem, mas acabam morrendo devido aos hematomas.
Nossa vocação são os poemas. Os de amor batemos no peito das
gurias. Quando elas são enormes. As pequenas só passamos a mão.
Mas literatura não dá dinheiro, por isso nos dedicamos aos
discursos corporativos e políticos. Os executivos preferem escritoras pois
assim podem se manifestar socando a tarde toda com o risco de serem
correspondidos.
Os políticos, ao falar para multidões, precisam substituir
as batidas no peito por tiros para serem melhor entendidos. Nós, os escritores
brasileiros, abastecemos as cartucheiras.
Há problemas quando escrevemos para a linguagem dos surdo
mudos. Fica parecendo suicídio. Já na linguagem dos cegos acabamos sempre
machucando a ponta dos dedos com o alfabeto Braille.
A dramaturgia é a arte mais propícia para nosso
ofício, principalmente depois dos movimentos de vanguarda, quando os palcos
viraram arena de luta livre e números de circo.
Nosso ícone literário é o King Kong, o macaco hollywoodiano
que se manifesta da mesma forma. Achamos até que o gorilão era um escritor
brasileiro que migrou para vencer na América e acabou sendo aproveitando no
cinema.
Eu escrevo sempre de manhã, pois à noite incomoda os
vizinhos. Não passo de meia hora diária, que é minha cota permitida pela
bronquite crônica.
Nos encontros literários, vira bagunça. Todos querem
defender suas ideias sobre a literatura brasileira enquanto expressão da nacionalidade
e o resultado costuma ser trágico, com algumas chacinas no meio.
Lamentamos que nossa originalidade não permita que
participemos de eventos internacionais de literatura. Quando querem homenagear
o Brasil, enviam algumas jaulas para que possamos nos manifestar dentro delas
sem machucar os visitantes.
Por ser intraduzível, ficamos confinados ao nosso autismo
cultural. Prêmio Nobel nem pensar. O conjunto de qualquer obra de escritor
brasileiro é a celebração do sopapo.
RETORNO - Imagem desta edição: Fay Wray, em cena de King Kong de 1933.