Nei Duclós
Na oficina de hoje abordamos a rima endógena e as vogais
âncora, que por meio da composição melódica, enriquecem o poema.
Rima (ou consonância, palavras de sons afins) costuma ser no
final do verso, mas pode haver inúmeros cruzamentos de rima. Essa rima interna,
às vezes oculta, ajuda a gerar uma sonoridade que cria vínculos poderosos entre
as palavras e versos.
A base são as vogais, que servem de âncora. Você pode
escolher uma vogal chave, a letra i, por exemplo, como nesta obra-prima de
Garcia Lorca, da qual extraí este trecho:
"Muerte De Antoñito El Camborio: Federico Garcia Lorca
- Voces de muerte sonaron / cerca del Guadalquivir. /Voces antiguas que cercan
/voz de clavel varonil. /Les clavó sobre las botas /mordiscos de jabalí. /En la
lucha daba saltos/ jabonados de delfín. /Bañó con sangre enemiga /su corbata
carmesí, /pero eran cuatro puñales /y tuvo que sucumbir. "
Na continuidade do poema, outras vogais entram na roda, com
palavras que podem remeter à vogal âncora, inicial. Fiz isso num dos sonetos de
hoje, do qual extraio aqui a primeira estrofe e as duas primeiras linhas da
segunda:
Sensação – Nei Duclós - “Fuja da tentação, pássaro diurno/
voo miúdo fora do teu ninho/flecha em direção à surra da razão/puro impulso,
inquebrantável vidro//Sou como tu, viagem de olho rútilo/ busco a religião do
esquecimento...” Na segunda estrofe continuo no u, mas na linha seguinte
introduzo o e, de esquecimento, que é a vogal âncora desse trecho do poema.
O segredo é a sucessão de vogais e o cruzamento delas, que
são os desdobramentos. É como pintar. Você cria a base do quadro e depois vai
colocando as camadas, os detalhes. Só que no quadro vc faz por etapas, enquanto
no poema vc faz simultaneamente. Na hora de criar, as vogais vao te mostrando o
caminho. são vagalumes de intensa força que iluminam trechos, as estrofes, da
trilha, o poema.
Não deves parar no
meio da pista. o ideal é seguir, com o ritmo sob controle, com a sonoridade
devida e o auxilio das palavras que voce vai atraindo com sua musica. São pássaros
que acabam fazendo companhia.
Cuidando do som do poema pode-se facilitar tua vida na hora
de criá-lo. A sonoridade da palavra combinada em verso dá o mote Para
desenvolver, pode-se desdobrar o que o verso inaugural propõe, ou por sintonia
ou por oposição . A chave é escolher a sucessão de vogais no entrecruzamento de
consonâncias. A riqueza melódica vem desses cruzamentos, que ficam mais densos
na medida em que você busca palavras afins cada vez mais longe de você, que
você pouco usa. Assim você vai enriquecendo o trabalho.
Quando fica muito fácil, escorregando liso pelo poema afora,
é hora de dar um tranco, quebrar a monotinia do ritmo e da sonoridade, colocar
um caco, como se diz em teatro, algo fora do roteiro. Isso também é um belo
recurso para enriquecer o poema.
RETORNO – 1. Imagem desta edição: Garcia Lorca. 2. Faça
oficina de exercício da linguagem comigo: prosa, poesia, jornalismo, linguagem
acadêmica. Escreva para neiduclos@gmail.com.
3. Todas essas informações estarão reunidas num manual a ser lançado em breve e
que servirá para dinamizar e divulgar o curso.