Nei Duclós
Quem escolhe a diva é o poema. Palavra tem ousadia.
Cultivar distâncias em canteiros comuns gera flores murchas
compartilhadas entre bocejos. Já plantar sintonia de pele e imaginação faz o
vazio pular para o prazer.
Teu orgulho encalhou na dispensa, mas teu sorriso teve a
maior saída.
Não me iludo com fotografias. Leio a origem das tuas linhas.
Amanhecer sem teu beijo é como anoitecer sedento no deserto.
Foi só um aceno. Não me confunda com tuas cicatrizes.
Não te reparto entre estranhezas. És única em meu concerto.
Solas a sinfonia que compusemos no flerte.
O que pode haver de erro num toque imaginado pelo verbo?
Qualquer coisa vire a chave. Estamos acostumados.
Não importa se é você hoje ou ontem. Qualquer imagem ocupa
um espaço nobre no tempo.
Estavas bem perto. Sob a mira do meu olhar, de bandeja.
O que fazes a maior parte do tempo, beldade indiferente?
Sonhas com algo fora de mim, aposto.
O que dói é a falta que faz.
Tenho mel, ela disse. Notei pelo teu andar, ele falou.
Não ouse voltar na quarta feira de cinzas com confete
grudado na pele de suor. Pus tuas malas no corredor.
Cientisas garantem que, em bilhões de anos, o sol vai virar
uma gigante vermelha e depois uma anã branca, quando então implodirá em
supernova. Até a terra ser devorada por essa profecia, sobra tempo de te dar
uns beijos.
Vou fazer o que não devo: dizer pela milésima vez que te
quero. Canso tua beleza, eu sei, mas não me importo. Falo e corro para debaixo da estrela.
O corpo imaginado pelo amor encaixa perfeitamente.
A Lua cheia nasceu forte aqui na minha rua. Era uma lâmpada
mercúrio, fantasiada para o carnaval.
Poesia não conta como tempo de serviço. Deveria. O poeta se aposentaria
por quilometragem de verso.
Ficaste exausta de tanto poema. Mas não tenho piedade.
Guardei alguns para mais tarde.
RETORNO – Imagem desta edição: foto de George Hurrell.