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9 de fevereiro de 2013

NO: A VITÓRIA DA PUBLICIDADE



Nei Duclós

O jovem cineasta Pablo Lorrain (35 anos) celebrado por sua trilogia anti-Pinochet, Tony Manero (2008), Post_Morten (2010) e agora NO (2012), pisa em ovos ao abordar sua denúncia sobre a vitória da publicidade que seu rebento candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro mostra em todos os frames. Diz que apenas coloca o tema na roda para as pessoas tirarem suas conclusões. Mas seu NO, baseado em peça de Antonio Skarmeta e com roteiro de  Pedro Peirano, sobre o plebiscito de 1988 que disse não a ditadura, é claro ao colocar as contradições da celebração do “fim” do regime político implantado por um brutal golpe em 1973.

A chave par entender sua denúncia é o jargão repetido pelo publicitário René Saavedra, que voltou ao Chile depois de viver no exílio por ser filho de um socialista Miguel Saavedra, não por acaso uma referência a Cervantes e ao quixotismo. Ele apresenta suas campanhas, tanto as corporativas quanto a política, como um choque de modernidade que vai impactar os espectadores, já que o país “está preparado para o futuro”. Não há diferença entre a campanha do Não e a que vende a novela. O regime político cai, mas o sistema econômico permanece e aprofunda as diferenças sociais. E pior: permite que a direita volte ao poder, como acontece atualmente com Sebastián Piñera.

O plebiscito foi arranjado na véspera do Consenso de Washington de Jimmy Carter, quando os americanos descobriram que deveriam continuar imperando livrando-se da farda. É significativa o apelo publicitário de tirar a farda do general e substituir o jaquetão pelo terno. Tivemos o mesmo processo aqui.Os generais presidentes jamais apareciam de farda, com exceções. E depois de 1985, a tirania livrou-se da farda para continuar imperando. A tirania se expressa sempre pela repressão aliada à insistência na palavra democracia. Nunca se fala tanto em democracia quanto numa ditadura. Aliás, é um dos sintomas para detectarmos o problema: o nível de citação da palavra democracia revela a existência da ditadura.  

“A CIA agora está conosco, está com o No”, dizem os publicitários no filme. Pinochet achava que ia ganhar, perdeu. Os generais, na hora em que se ameaçava a tunga do plebiscito, anunciam a vitória da oposição. Sabemos como funciona: em 1982, no escândalo Proconsult/Globo, tentaram roubar a vitória de Brizola para o governo do Rio. Brizola chamou a imprensa internacional e denunciou. Levou a melhor. Pinochet não conseguiu. Levou a pior e dois anos depois teve de repassar o poder para o novo presidente eleito, civil, Patricio Aylwin Azócar. Perdeu para os dudas mendonças, que fizeram uma campanha baseada na alegria, equivalente ao nosso conhecido “sem medo de ser feliz”. A alegria de viver na democracia. Vimos esse filme.

O fato é que a publicidade funcionou, mas, perigosamente, se inseriu no noticiário (No ticias). A divulgação da nova novela é feita por meio de uma falsa reportagem. A ditadura política acaba, mas o sistema econômico implantado à força por Pinochet triunfa. E intensifica sua dominação, apesar dos ares democráticos. No fundo, permanece a tirania via metástase do capitalismo, ou seja, a especulação financeira, a produção voltada para a exportação, o grande gap social, a brutalidade geral.

O filme é bom demais, super bem feito, com tecnologia antiga (U-Matic) para dar mais verossimilhança ao regate histórico, tem ritmo , atores magníficos como Gael Garcia Bernal e Alfredo Castro. É hilária a personagem do ministro da ditadura interpretada por Jaime Vadell, que ameaça a agência de publicidade por acobertar os profissionais que cuidam do Não. Os poucos minutos em que ele debocha da oposição são tão engraçados quanto trágicos.

Filme feito com segurança e inteligência, pode levar o Oscar.  Sua imagem é de uma obra sobre o fim da ditadura chilena. Mas a verdade é que é uma denúncia contra a manipulação publicitária e o perigo que ela representa ao aliar-se a princípios virtuosos. A publicidade ajuda a encerrar um ciclo político, mas se apropria da vitória. Isso é o que o bom filme de Pablo Lorrain nos diz.