Nei Duclós
Tuas intenções não estavam no
início, mas no pé da página, em letra miúda. Peguei uma lupa só quando te reli,
e já ias longe.
Perto demais quebra o encanto. Longe
demais não tem jogo. A solução é fazer de conta que sou o anônimo cantor dos
teus refrões.
Bato na porta de vidro. No outro
lado teu corpo dormido desperta com o barulho. É o poema no domingo.
Somos areia da clepsidra, gargalo do
tempo. Medida de sede, secura.
Acordo quando lembras de mim, mesmo
no sonho.
Bato em tudo o que doeu, para que
não volte, amor meu.
Já que me pediste, vou ceder. Vou
piorar.
Toda compreensiva depois da balada
em lugar desconhecido. Aí tem.
Se dormiu demais é porque é culpada.
Eu acordei cedo, ímpia.
Cadê meu beijo é algo que perdeste o
direito de pedir. Passe no departamento impessoal e leia o bilhete.
Nunca mais preste atenção em mim.
Passe lotada por minha parada de ônibus. Aguardo algo de outra dimensão.
Eu tinha me reservado só para ti.
Mas te achaste. Vou ligar para quem detestas.
Onde estavas que perdi a pista do
teu cheiro? Deves ter borrifado um perfume de traições.
Demorou. Agora contente-se com o
vento que desloquei quando saí para sempre.
Não preparei o molde para outro
usar. Vou quebrar tudo.
Não cola mais. Meus cartazes não
duram mais de cinco segundos no teu muro.
Não precisa acordar, eu já fiz café
para a solidão.
Quando voltar, o poema está no
forno.
Somos indivisíveis, não podemos ser
servidos em porções.
Te escondeste em imagens falsas.
Tens medo que eu descubra teu maior segredo, o rosto que aparentas diante do
espelho.
Ninguém forçou a barra. A não ser
que tudo tenha sido obra da fantasia, que não deixou barato.
Nos encontramos por acaso. Foi
quando enfim consegui chegar nos teus lábios.
Depois do evento te deixei em casa.
Mas te recusaste a descer.
Vimos o concerto grudados, sob a
pressão da multidão ao redor. Por algum motivo desmaiavas a cada cinco
segundos.
RETORNO – Imagem desta edição: Sonya Walger.