Nei Duclós
Quando te conheci adquiri um defeito físico.
O coração desmanchou na forja do teu desejo.
É uma pele que existe por cima da tua pele.
Feita de mel e carícia como um verniz só de cheiro.
Perdi toda compostura quando cheguei mais perto.
Sigo teus passos de fogo com a lenha da minha floresta.
Fiz uma trova sentida quando vi que não te alcanço.
Mas isso foi decisivo para o atalho ao teu corpo.
Ninguém proibe o conflito entre meu verso e teu rosto.
Não posso escrever direito se o teu olhar não disponho.
O dia mal se levanta e já cerco o teu conforto.
Sou como os pássaros tontos que existem sem ter um pouso.
Quem vem com laço de fita e um riso de quem se entrega?
É a tua eterna fantasia de ser o que não me negas.
Nesses versos sem rumo providenciei melodia.
É para cantar numa festa em que fores a rainha
Só sei que vivo perdido na existência que sugeres.
A vida compartilhada numa eterna primavera.
Beijei tua boca serena quando ainda havia sono.
Era minha ânsia de espinhos na pétala do teu suspiro.
Nem pense em dizer adeus porque o amor veio tão cedo.
Não haverá nova
chance se me deixares no ermo.
Faça uma trança bonita com a seda do teu cabelo.
Quero puxar-te para cima mulher dos mais belos ombros.
A barba não está feita nem há pintura em teus olhos.
Sabemos como é bonito
quando não nos preparamos.
Agora partes para o dia enquanto eu fico pensando.
Quem sabe inventas um tempo na esteira do nosso encontro.
Não diga que nos beijamos que isso mata quem sente.
Clandestinos dos amores vivem perigosamente.
Passeamos no cais de ouro com nossos corpos de encanto.
Teu gozo fez tua doçura virar modelo de um sonho.
O aperto que nos sufoca é a liberdade que temos.
Te atiras com tuas rendas num ruído de puro gosto.
Os poemas da manhã chegam com o sabor da noite.
É uma espécie de fogo que ainda dorme no orvalho.
Ponho a mão onde não devo, coragem me faz mais vivo.
Permites com um sorriso nestes teus lábios travessos.
Estou perdido, portento, vê se a piedade te pega.
Não faça de mim um traste nas tuas mãos poderosas.
Não diga que sou escravo do que sinto nestes versos.
Senão eu mesmo te minto que tudo é só fingimento.
RETORNO – Imagem desta edição: Retrato de Isabel Sanches Osório, de 1926.