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21 de agosto de 2012

RESPIRAÇÃO



Nei Duclós

Amor é eterno quando não guardamos para mais tarde.

Mergulhas na poesia sem levar oxigênio. Depois pede respiração boca a boca.

Nos misturamos, escondida. Somos o desvio da trilha, a meditação na beira do abismo. Levamos as mesmas palavras no embornal da poesia. Tem gente que torce o nariz, mas os amantes recitam.

Estendida como um canteiro úmido de fim de inverno, onde colho flor que sobrevive, quando exalas teu gemido.

Viajaste pelo mundo pelo gosto de partir, mas eu fantasiei que me buscavas. Por isso te recebo em cada aeroporto disfarçado de guia. Te levo para ver pirâmides, odalisca

Queria receber tua alegria de sair de casa misturada à exaustão da viagem. Te colocar no conforto do amor que guardo na bagagem.

A Lua Nova é redoma transparente de vidro que abriga uma neve falsa, uma poeira estelar, um granizo fino. É como teu beijo, dançarina.

Acreditei em todas as tuas mentiras. Apostei no que sinto.

Transgressão consentida, que finge resistência. Quando não há prejuízo, mas delírio.

Tiveste overdose de verso. Baixaste hospital de caridade. Lá te disseram que o poeta não existia. Mais calma, voltaste para minha cama.

Não guarde um urso na jaula. Ele mastiga concreto.


FILME ANTIGO

Perdi a pressa faz tempo. Isso não me torna lento. Meu ritmo é como carrossel de filme antigo, fixo na cena, mas múltiplo na memória.

Só depois de perder a esperança temos chance. É quando desarmamos o espírito blindado pela vaidade da sobrevivência. Quando nos entregamos ao desfecho, como cai em si a supernova.

Não posso pegar carona no entusiasmo. És sempre grave e sóbria como a caravana que cruza o deserto. Recolho bandeiras diante do assombro do tempo

Deixei escorrer o tempo para ver o que tinha no fim dele. Minhas mãos vazias, cheias de remorso. Teria sucumbido, não fosse você desprezar a perda com palavras generosas.

A vida é um vírus oportunista no mundo físico. Não era para existir no cosmo frio de pedras.

Há escritores com outras aventuras, todos focados em seu ofício. Eu prefiro ficar à mercê dos teus domínios, musa.

Cuidado, depois de cada verso há uma surpresa. Talvez seja o poeta fazendo o que não deve.

Sinceridade é como café forte: precisa de açúcar. Não para adoçá-la, mas para que ouça uma segunda opinião sobre seu sabor

Deixo rastros no deserto. Siga as pistas e descobrirás água, disse o peregrino.

A semana nos espreita na savana. Somos o rebanho.


RETORNO – Imagem desta edição:  Natalie Wood e Steve McQueen.