Nei Duclós
Elementos dispersos precisam rodar, revolucionar-se,
consolidar um movimento de rotação para
haver uma síntese e nascer a criatura, seja gente ou galáxia. Vemos isso não
apenas nas fotos do cosmos, mas nas plantas, que são espirais e redes. Um certo
quintal na casa onde morávamos no subúrbio de Porto Alegre tinha bananeiras em
vários estágios de crescimento.
Vi como as redes vegetais iam, como gazes, se sobrepondo umas às outras até formar o tronco, de onde
brotavam folhas e o cacho da fruta, que por sua vez são radiadas, possuem um
ponto na base e vão se expandindo nas pontas, imitando a mão espalmada na sua
forma básica. Tudo irrompe como geisers na imensidão do mistério e todo caule
tem um chapéu de cogumelo com as estrias dessa multiplicidade.
É um paradoxo: o rodízio implica redundância, já que é
preciso retomar o início constantemente, como impõe a envergadura do círculo e
os fogões antigos que iam cobrindo o fogo em vários encaixes redondos de
ferro. Sem essa retomada constante não
há invenção,originalidade, que em tese seria vista como tirar alguma coisa do
nada, o que é uma percepção errada da criação. Mesmo que o Acaso, o deus ateu,
seja verdadeiro na história do Big Bang, a origem, o núcleo da explosão
primordial implica uma existência prévia de uma semente, uma bomba armada. É a
dialética da ruptura x tradição.
Como a vida é curta, cada geração aprende por si esse
segredo. Não se passa um monumento desses como se fosse um bastão de olimpíada
em prova de revezamento. Como houve rodízio para existir civilização,a mocidade
acha que a originalidade está na dispersão e parte para a ruptura. Por sorte a
virada de mesa tem fôlego curto e em seguida s se consolida e pode virar
cânone. Isso tudo desencadeia nova volta da espiral, pois o tempo ensina que é
preciso retomar os eventos, amarrar as pontas para que algo surja do caos.
Um dos grandes equívocos da modernidade é que não se
preparou para a longevidade. Acha que iria usufruir para sempre o status de
confronto. Hoje, quando o Modernismo virou religião oficial no Brasil, fazer
sonetos chega a ser uma transgressão. É preciso que haja sempre esse
desequilíbrio para que não fiquemos presos às ideias fixas. É engraçado ver
pessoas muito bem postas nos cargos e na vida defendendo a uma pretensa atitude
revolucionária. Sobreviver implica ceder, retomar o que foi deixado para trás.
Essa lição se aprende depois de vários ferimentos.
Por um tempo imaginei que criar era sempre ir em frente, sem
prestar atenção ao rastro que deixamos ou as pistas herdadas. Aprendi na dor
que somos a soma de vivências que não nos pertencem e que devem nos impregnar
de maneira criativa, ou seja, partindo de tradições em favor de rupturas, e de
volta ao início. Somos inovadores em relação a alguma coisa. Sempre há uma
partícula menor e mais invisível para entendermos o mecanismo das estrelas.
Só assim saberemos as dificuldades que nossos pais
enfrentaram para abrir caminho na mata e como geramos criaturas de todos os
feitios trabalhando os materiais existentes no mundo. O Tempo é um deus
impiedoso e sem ele nada aprenderemos.
RETORNO - 1.Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: Gisele Bündchen.