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5 de maio de 2012

NÁUFRAGA


Nei Duclós

Caimos no abismo várias vezes. Mas sempre sobrevivíamos. Quantas vidas nos restavam, náufraga lindíssima?

Duas semanas entre tempestade e sol forte.A lua era mais uma dúvida. Batíamos na água mandando mensagens. Nem as sereias ouviam.

Conseguimos fazer uma jangada e quase fomos para as pedras. Mas fizeste certo e endireitaste a vela no rumo norte. Me salvaste, como sempre.

Ninguém virá nos salvar, avisei. Nenhum barco, nem avião. Precisamos compor algo que flutue e remar com nossos corações.

Recolheste conchas para ler o futuro. Havia uma estrela acima de tudo. Temos esperança, disseste, fecunda.

Falei que não conseguiria e reagiste. Morrerei antes de ti, disse, na ameaça.

Consegui algum alimento depois de dois dias sem nos mexer neste lugar fora do mundo. Comeste sôfrega, me olhando com gula, passageira muda.

Fomos recolhidos pela praia, depois de dez dias perdidos no mar. Estavas sem fôlego, pelo susto do maior perigo, o amor súbito que veio junto ao naufrágio.

Colocamos a bandeira no mastro mais alto, para driblar a curvatura da terra. Poderiam nos ver de longe, náufragos de guerra.


ESPANTOS

Prefiro não viajar em teus espantos. Tanta coisa que não vejo, por pura dissidência.Prefiro selecionar o que nos aproxima, e que é tão pouco.

Te busquei à revelia, arisca. Faz de conta que és minha.

Sabia que ela estava lá, por isso esperei que se anunciasse. Passou uma semana e eu congelei no jardim. Ela então desceu da árvore e arrastou sua asa de fogo em minha barba.

Me deixou no ermo por séculos. Depois apareceu de surpresa no nosso banco de praça e reclamou que eu não estava lá. E foi embora deixando um bilhete sobre minha indiferença.

Fez piruetas e me chamou de lobo mau enquanto eu estava ausente. Quando apareci, se escondeu atrás de uma nuvem

Sigo teu rastro, teus inúmeros rostos cativos do espelho.

Às onze te apanho. A uma te ganho. Às três te acompanho. Às seis me despeço. Às oito converso pelo telefone. Saudade, ora essa.



LUA

Fase da Lua é uma coleção de fantasmas. Pingentes, crescentes, minguantes. Só a Cheia é real como um beijo.

Lua é mulher que o poeta cultua. Presente, bela, distante. O luar é o seu diamante.

A Lua não cansa da poesia. Toda vez que alguém canta seu brilho, se desmancha

Fomos de barco. Levamos a Lua cheia na cabine. Ela gostou, principalmente dos peixes que saltavam do mar para as estrelas.

A Lua não cansa da poesia. Toda vez que alguém canta seu brilho, se desmancha.

No fim da tarde, a transparente Lua cheia, ainda maquiada pelo dia, surgiu a pleno sobre a rua. Lua luando.

Já vi a Lua, mas é bom que me avises. Assim compartilhamos a surpresa de uma deusa a passeio, sobre nossa conversa, também cheia de sonhos.


RETORNO – Imagem desta edição: Gisele Bündchen.