Nei Duclós
Todos os dias o canal 43, Universal, da Net, apresenta a série
Medium, que foi ao ar originalmente entre 2005 e 2011. O autor, Glenn Gordon
Caron, é o mesmo de A Gata e o Rato, grade hit dos anos 80 com Cybill Shepherd e
Bruce Willis. É um escritor competente, engendra bem cada capítulo sobre a
colaboradora da polícia, a médium Allison Dubois, interpretado por Patricia
Arquette (foto), casada com um dedicado Joe (Jake Weber), mãe de três filhas e amiga do policial Manuel Devalos (Miguel Sandoval).
A série faz parte da competência americana de ordenar o caos e colocar nos
eixos tudo o que escapa, é bizarro, violento, contraditório, anti-familiar,
criminoso, disperso, pedófilo, drogado etc.
A âncora dessa ordenação é o ambiente profissional
incorruptível e o familiar, onde o marido, empreendedor tecnológico de
remuneração oscilante, cuida da prole enquanto a esposa tenta interpretar seus sonhos
para descobrir os criminosos. O esqueleto da narrativa não muda: personagens do
crime aparecem para a médium, dormindo ou acordada, misturando sinais e
colocando sempre em risco a sua profissão, uma habilidade bizarra num mundo
racional. O truque é simples: tudo pressiona contra a mediunidade, inclusive
por parte da própria sonhadora. Ela também se coloca em dúvida, assim como o
seu entorno familiar e profissional. Mas no fim, por maneira transversa
normalmente, consegue ajudar a elucidar o rolo.
A médium é um imã para todo o caos que cerca a vida
americana. Nela confluem as taras,o
sangue, a brutalidade, as traições. Ela está bem escudada, não apenas pela
sólida composição familiar, mas principalmente pelo exercício da dedução,que
mesmo funcionandom corre o risco de não dar em nada e confundir, já que deduzir cruza racionalidade (Dr. Watson) com
imaginação criadora (Sherlock). No caso dela, a imaginação pode chegar ao delírio. Contra esse
perigo estão atentos marido, chefes e colegas. Há sempre margem para a
credibilidade, que some no início do episódio seguinte, para que as histórias sigam
adiante. Partir do zero impulsiona o novo episódio.
Os vilões se dividem
entre os que a temem, os que a ignoram, os que a perseguem, os que procuram uma
ponte ou para enganá-la ou para ajudá-la a decifrar o mistério. Mas esse caos
que pressiona o mundo adulto estaria isolado e sem força se as filhas da médium
não entrassem na rota de colisão. Principalmente a mais velha, Ariel (Sofia Vassilieva), adolescente que costuma
dar o passo errado para, orientada pelo pais, se recompor no final. Ou então
para mostrar como a educação que recebe está correta ao tomar a iniciativa de
atitudes éticas.
Os americanos cuidam da descendência, ao contrário do
Brasil, que rifa sua meninada entregando-a à sanha assassina e perversa. Os
conflitos são os mesmos, o que muda entre as duas nações é a responsabilidade. Uma
criança que recebe educação tradicional, alfabetizada, dentro de princípios morais,
religiosos ou não, mas rigorosos, pode depois muito bem abraçar a radicalidade.
Não se pode é, desde a infância, encaminhar a garotada para a transgressão esperando depois que cresçam libertária. Não vai dar certo.
Pode-se contestar essa auto-censura permanente da cultura
americana que jamais abre a guarda e está atenta em favor de suas ideias fixas.
Mas o fato é que há uma base, um esqueleto que segura a criatura social
complicada e múltipla (ou pelo menos eles insistem na representação dessa ordem
via indústria do espetáculo). Há uma tremenda repressão nos EUA e Europa e toda
a critica que se faz às falsidades civilizatórias procedem. Mas é bom lembrar
que a dialética se impõe no jogo entre tradição e ruptura. Medium estabelece um
carrossel de conflitos que acabam sempre a favor dos protagonistas, é claro.
Pode parecer babaca e muitas vezes é. Mas a série funciona e às vezes é até
divertida. Costumo ver.