Nei Duclós
Meus braços são tua vaga. Ocupe.
Quando as musas ficam mudas a culpa é tua. Cante quem te
habita.
Não mereço tua bandeira. Mas aceito assim mesmo.
Tão bonita que a Lua desistiu e foi dormir.
Teu aniversário era a única oportunidade que eu tinha para
dar-te um beijo. Até que adiantaste a data uma dúzia de vezes.
Trocamos de caderno por alguns instantes. Eu fiz uma conta,
escreveste um poema. Dizias: amor. E eu: hoje às seis.
A foto captura a persona. O rosto real é segredo. Talvez nem
exista. Somos a seleção de muitas vidas.
O corpo é o ninho do sonho. Toco em ti porque dá choque.
Os corpos imaginam algo que alimenta a cena real.
Fui ver o mar. Estava uma pintura. Todo compenetrado e
compacto no azul ceruleo. Velas esparsas, bordas de areia. E o abismo, no
horizonte que desce em curva e se liga no céu numa costura.
Não posso evitar que complique. Mas posso evitar que não
prejudique.
Ficamos impregnados fisicamente no corpo astral de quem nos
quer.
De todas as criaturas que ela inventa, gosto mais da que me
outorga existência.
POR CIMA
O Tempo passa por cima, viro uma espécie de ruína, a não ser
que me descubras, com a tua arqueologia.
Não dou vencimento da vontade que eu tenho. Nem tente passar
por perto. É tiro certo.
Passei por ti e nem notaste. Eu estava carregado de sonetos
Perdemos a noção mas, anos mais tarde, um aperto de mão nos
levou para a cama. Quando amanheceu, estávamos de olho parado no teto.
Busquei no fundo da cama as pistas da tua passagem, uma
pétala vermelha, um convite para viagem.
Deixe de história. Prazer não vive de memória. Descubra-se
agora. O resto pertence ao passado e sua glória.
Anônima beleza apoiada no mistério, por que não notei antes
teu esplendoroso gesto de sensual recato?
Olhas como se me conhecesses, mas só agora vi teu corpo sem
acesso, glória feminina descoberta.
Foram apresentados. Muito prazer, disse o desejo.
Quando me visitas de surpresa eu troco as pernas. Disfarço
na tua frente, mas depois sempre levo um tombo. Haja emoção diante de tanta
beleza.
Desperdício é o nome da nossa sintonia. Somos afins, mas sem
objetivos. Repartimos a solidão, esfinge.
Olhando para ti, esqueci os versos no sarau poético. Paguei
o maior mico. Gaguejei, depois fiquei mudo. Só o teu decote fez bonito.
RETORNO – Imagem desta edição: Ann Sheridan.