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30 de março de 2012
LAÍS CHAFFE: MÍNIMO VERBO DE MÁXIMO FOGO
Nei Duclós
Os poetas se anteciparam à necessidade de mudar a linguagem para adaptá-la ao mundo e assim ajudar a transformá-lo. Na carona dessa mudança, a poesia tornou-se escassa numa época beletrista, certeira quando o discurso descrevia espirais de ilusionismo em volta das grandes guerras, emocionada sem apelar para as emoções baratas, demolidora na sua força de desestabilização dos discursos do poder e sedutora antes que a publicidade começasse com seu arsenal de simulações em função do comércio. Virou minimalista, aforística, implodida, sem derramamento de sangue. E mudaram os poetas para sempre.
Laís Chaffe faz parte dessa linhagem inaugurada quando havia necessidade de chutar a canela da folga cultural com margens indecentes que a tudo dominava. Seus poemas são o receptáculo desse trabalho aparentemente marginal, mas que ocupa o centro do mundo virado pelo avesso: o da linguagem voltada para si mesma em busca de uma solução dos conflitos e que intensifica a necessidade de clareza do que nos move na vida. Antes que a abordagem ensaística seja confundida com elogio, vamos a alguns exemplos do trabalho da poeta no volume que leva seu nome e que faz parte do projeto Instante Estante, da Castelinho Edições.
“Poesia:/ desejo salivando/ em frente à mesa/ vazia”, escreve Laís Chaffe na primeira página do seu livro, mostrando o confronto entre a palavra como vontade e a oferta de um tempo sem sentido. “Nunca foi/ muito popular,/ como então/ diria não/ quando as palavras/ convidavam para brincar?”, diz, sobre a vocação marginalizada na infância que encontra no espaço lúdico do verbo o seu futuro ofício. Verbo no duplo sentido, de ação substantiva, como vemos em alguns versos: "translúcido na taça/ o tinto já foi uva/ tudo passa” ou “Guaíba, lago?/ alguns resistem/ eu rio”. É o acúmulo de camadas de significados no mesmo espaço do poema, levando à leitura sobreposta de percepções que se cruzam entre a introspecção e a denúncia.
Mas seus poemas não se circunscrevem a esses voos breves. Alguns assumem forma mais clássica como em Sina (“Aterriso/ antes do voo/ e mesmo sem engravidar/ enjoo”) convidando a leitura a revisitá-los, como se sempre um novo poema surgisse, liberto do que vimos num momento anterior. Essa mobilidade muitas vezes sugere desconforto, como em “Quisera morar em mim/ Negaram o habite-se”. Ou intensa carga de revelações como nos belíssimos Vagas Emoções de Navegante Insatisfeito (“queria mais que o fervor/ das águas turvas/ queimando sob a saia”) e Bilhete (“Prefiro o suor ao surto,/ ao sangue, o sêmen”).
Poeta ocupa seu próprio espaço sob encomenda do que sente e sabe. Laís Chaffe mostra a força do que diz nesta pequena e significativa amostra da poesia brasileira contemporânea. Palavra econômica com poder máximo de fogo, que atinge o leitor atento, enredado em tantas linguagens artificiais. É quando o poema rompe o laço e reinaugura algo além do sonho, enriquecendo o mural de representações do mundo dominado por inúmeras vontades.
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