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23 de fevereiro de 2012

SCORSESE E A SEGUNDA MORTE DO CINEMA


Nei Duclós

Desprovido de imaginação, Martin Scorsese se notabilizou por filmes apelativos e violentos, conhecidos por todos. Cavou uma grande margem entre sua obra e sua ambição, pois sempre quis ser o maior cineasta do seu tempo. Como jamais vai ser, inventou uma história do cinema em que ele é o receptor, o herdeiro. Inventou seus predecessores, como disse uma vez Borges dos escritores e colocou-se como estuário do gênio da Sétima Arte.

Como não sabe nem dirigir atores – chegou a desperdiçar Matt Damon depois de inventar o canastrão Robert de Niro – seu passivo ficou explícito demais quando fez um balanço e notou que não tinha criado nada “encantador”. Sua boa biografia de Howard Hughes com Leonardo de Caprio não é suficiente diante da avalanche de coisas ruins que fez. Por isso resolveu dirigir A Invenção de Hugo Cabret (2011), uma falsa história sobre a origem da ficção no cinema, encarnada na vida do cineasta George Mèlies, mágico e relojoeiro.


Como o sujeito desastrado que resolve desmontar o mecanismo para saber o que tem dentro e como funciona, Scorsese filma as entranhas das máquinas que deslumbram as pessoas, como os brinquedos, os relógios ou os robôs. Baseado no livro de Brian Selznick, usou exatamente o mesmo mote do filme Tão Forte e Tão Perto, também de 2011, por sua vez ancorado em livro de Jonathan Safran Foer, sobre o garoto que perde o pai e tenta decifrar a mensagem deixada como herança por meio de uma charada – a busca de uma chave perdida que faria funcionar um robô. Não sei quem fez antes, mas o mote é idêntico,apesar dos filmes diferentes, mais um sinal de que existe falta de idéias originais hoje em Hollywood.

O fato é que Scorsese nos aborrece com o longo dramalhão de um órfão chupado das histórias de Dickens que resgata a glória do cineasta caído em desgraça. É de uma simplicidade rastaqüera. A malvada I Guerra acabou com a magia dos primeiros anos heróicos do cinema, já que o público queria então “realidade”. Nada mais falso, pois o cinema se notabilizou na imaginação exatamente quando o pau comeu no mundo. Mas Scorsese faz tudo à sua maneira, falsa.

Os pobres atores mirins, o casal Asa Butterfield e Chloë Grace Moretz, fazem uma performance asmática, pois é com a respiração truncada que eles demonstram emoção, certamente orientados pelo diretor, que não é do ramo. Vemos então sorrisos fora de ordem, suspiros profundos, olhares significativos de teatro amador, entre outras barbaridades. Como o chamado Marty (para os íntimos) não consegue acabar com tudo, salva-se Ben Kingsley, no papel de Mèlies, e Sacha Baron Cohen, no de Inspetor da estação de trem, mas eles não salvam o filme, que naufraga.

Feito sob encomenda para celebrar a si mesmo, sob o álibi que está homenageado a Sétima Arte, Scorsese em Hugo Cabret preenche as necessidades de lugar comum da Academia e foi indicado para inúmeros Oscar. Não vale nenhum. O robô que desenha a Lua atingida por um bólido, como no filme de Mèlies que sobreviveu, faz parte de uma obviedade metafórica de fazer dó. O órfão foge se dependurando no relógio da Torre como Harold Lloyd, na manjada cena de todos os balanços da história do cinema. O contraponto entre livros e filmes exposto como algo empolgante, quando não passa de lugar comum. O desencanto do velho cineasta com a malvadeza do mundo, ele que era tão mágico e ilusionista. Ora...

A homenagem final ao artista que tinha sido dado como morto na I Guerra imita a do filme Chaplin de Richard Attenborough. É o mesmo clímax, a mesma cena, com as mesmas expressões. Marty não tem vergonha de chupar, pois é desprovido de emoções. Sabe que existem e procura gerá-las, mas não consegue. Seu alcance é de um jab do touro indomável ou um surto do motorista de Taxi Driver, ou um clima mal copiado de Coppola de Os Bons Companheiros.

Gosto de desancar Scorsese porque ele é o grão sacerdote de uma religião, a de eternizar o presente e ficar a cavaleiro do passado, como se este tivesse existido só para alimentar o ego dos falsários de hoje. É possível que leve um monte estatuetas. Não deveria, tem concorrentes que o deixam no chinelo. O cinema foi assassinado a primeira vez com o macartismo e hoje com os desvirtuadores de sua história. Mas ele ressuscita sempre que um cineasta de primeiro time consegue fazer um filme.

RETORNO – Imagem desta edição: Asa Butterfield e Chloë Grace Moretz em cena de Hugo.

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