Páginas

15 de fevereiro de 2012

OLHAR


Nei Duclós

Por duas vezes nossos caminhos se cruzaram novamente. A última ainda sangra

Esqueci, jurei. Até que teu olhar me flagrou na mentira.

Tantos contigo, por que me tentas? Me deixe. Só tu sabe onde fica Vênus, ela disse.

Se você me quiser, eu moro. Se você não me quiser, eu morro.

Se ela não estiver na sua, não entre em pânico, nem dê esporro. Aliste-se na Legião Estrangeira, pegue uma nave para Júpiter. Há sempre uma saída para esse amor cachorro

Ela varreu teu rosto de toda lembrança. E foi-se, recolhendo na bolsa as palavras que lhe deste entre promessas.

Não deveria lembrar essas coisas. Mas houve aquele último passeio, em que rompemos. Pessoas ainda enxergavam em nós o futuro. Mas nossas mãos não alimentavam mais os pássaros.

Voltaste uma vez, por curiosidade. Viste apenas uma cidade vazia. Era meu coração, acostumado ao teu exílio.

Dizem: por que não voltam? Não voltamos. Os ventos não sopram ao contrário, flor da minha vida.

Estou bem, disse naquela visita. E me joguei na escadaria.

Adeus, me conformei. E em seguida te roubei de onde estavas, irreversível.

É sempre assim. O amor é cinza. Aí você pisa e se queima.


Você é meu único bem, ela disse. Não fuja. Fique comigo. Mesmo que estejas no lado escuro da Lua.

Se ela não estiver na sua, não entre em pânico, nem dê esporro. Aliste-se na Legião Estrangeira, pegue uma nave para Júpiter. Há sempre uma saída para esse amor cachorro.

Onde estiveste todo este tempo, sumiste? perguntaram. Fiquei invisível, falei, depois que parti da estação dos seus olhos.

Amor é insânia. Você se apaixona por um grão de areia, a única pessoa viva longe do oásis

Não me venha com lareira e vinho. Ou chocolate caro. Ou eski nos Alpes. Ou camarote carioca. Quero só a prova que estavas só quando te liguei à noite.

Amor é isso: Sou bonito, disse o texugo. Lindo, falou a ariranha. Agora dancem um tango, disse o porco espinho.

Nem precisamos de barco. Navegamos no Sena só com nosso grude.

Enamorado de ti soa melhor. O amor é hispânico.

Amor não é dengue, romântico não é dengoso. Dengue é epidemia, o amor é raro.

O que vai fazer hoje á tarde? Pegar chuva? Deixa que eu leve as capas para a lavanderia. De lá saio sem camisa, minha top de linha.

É torrencial a água deste dia dedicado à paixão. Ou você aproveita a deixa e pega a gueixa ou deixa.

Sabe aquela estrela? É o pingente de uma deusa. Ela está à espera do amor, que não chega, debruçada no cosmo frio do Valentine´s Day.

Sabe aquela deusa? Está muda. Aguarda a voz que lhe foi roubada de um anjo, que sumiu sem deixar pista, a não ser umas penas de asas fugitivas.

Sabe aquele anjo? É sacana. Achou que podia pegar carona num cometa e acabou perdido no piso de um buraco negro. Grita por seu amor, que está morno.

Vamos espichar esse dia de namoro até ele chegar novamente no próximo ano?


RETORNO – Imagem desta edição: Hedy Lamarr.

Nenhum comentário:

Postar um comentário