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27 de fevereiro de 2012
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Nei Duclós
Toda madrugada é a mesma coisa. Colho frases pela metade para ver se encaixam em flores de poucas pétalas.
Estavas toda, ao meu lado. Olhávamos para a Lua pintada no teto. Posso ser tua noite? me perguntaste.
Não adianta te falar de tanto. És imune ao meu olhar de espanto. Não sentes minha vontade rouca. Queres o que, absorta?
Amanhecemos a céu aberto. Quem destampou o forro que nos cobriu há tempos?
Tudo cansa, por que só a poesia deveria pagar o mico de ser o excesso a ser evitado? Quem sabe escolhem o lixo industrial para a implicância.
Fui levar tua bagagem para o sítio. Coloquei num lugar à parte, para que possas organizar à tua maneira. Enquanto isso, farei um chá de muitas ervas para que descanses. Fiz pão e antes que trabalhes duro te ponho na cama.
As palavras que cuidas também são tuas crianças. Olhas para ver se estão bem e depois voltas ao sonho.
Estar sozinho contigo, meu vício. Estar a mil sem ruído, minha vida.
Quietude, palavra composta de lagoa e Lua. Silêncio, ordem interna de almas gêmeas.
Estou chegando, disse ela, despertando a estrela Dalva.
Queria fazer um poema que fosse uma canção, que pudesses lembrar a melodia no aeroporto, no dia em que eu voltasse para ti.
Emudeces por compromisso. Deverias falar pelo prazer.
Deus não manda mensagens. Esqueceu a senha.
O bom de ser ignorado hoje é que você fica livre de homenagens e jamais vai aborrecer alguém na posteridade.
Sabe aquela admiração sem freios, obsessiva? Desconfie. A pessoa quer ser você, ou seja, substituí-lo. Melhor a indiferença e até mesmo a implicância. Ou então a admiração legítima, de reconhecimento do trabalho alheio, que é mais rara.
Amor, só com embalagem. Assim cru não tem chance. À primeira vista, então, manda prender. Não se pode confiar numa criatura selvagem.
O verão insiste. Todos já desistiram. O carnaval foi no século passado. As rotinas voltaram. Todos olham com desconfiança esses dias cheios de gaivotas e cheiro de maresia na lembrança de corpos estendidos.
Eu fico esperando. Sou solidário com o dia, que não tem companhia. Ele providencia tudo, mas fica escutando o latido dos cachorros.
Vai começar o dia. Finja que não é contigo. Passe o batom longe de mim. E saia para as reuniões, tratante
Não podes acumular funções, de amante e confidente. Ficas com a segunda opção, delirante.
Depois não me venha com segredos. Tudo o que se esconde tem um propósito. Aquele.
Falei o que estava querendo. Ouvi que estavas fugindo. Fiquei no que estava fazendo. Adiei o que pensei à toa. Escutaste um ruído, pele arisca?
Cansamos dos mistérios e queremos uma taça de café mal rompe o dia. Ao nosso lado, no balcão, um casal de anjos.
Morar é escolher um lugar para não ser nada.
Queria fazer um poema que fosse uma canção, que pudesses lembrar a melodia no aeroporto, no dia em que eu voltasse para ti.
RETORNO – Imagem desta edição: Jennifer Morrison.
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