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30 de janeiro de 2012

REGRESSÃO


Nei Duclós

Recebo spam por e-mail me convidando para ler novo fenômeno literário, um professor. Vou ler e o início é uma sucessão de lugares comuns, aquelas descrições torpes da natureza que evitávamos quando, no ginásio, os professores nos desafiavam a encontrar soluções melhores. O problema não é o romantismo ou o parnasianismo, que nos oferecem gênios da literatura, mas sua diluição, a leitura equivocada que acaba gerando essas inutilidades que acabam voltando,pois arrebentou-se com todos os paradigmas, relativizou-se tudo e agora tudo pode, principalmente andar para trás, regredir.

Sorte que contamos com os russos, que inventaram a narrativa moderna de gênio e nos servem sempre como exemplo. Na série de artigos que estou publicando aqui sobre os contos russos numa edição antiga da Martins Editora, leio um encantador Turgueniev, que tem no seu currículo o grande romance Pais e Filhos. O texto que abordo aqui é O Encontro, em que o narrador é testemunha de uma despedida de um casal no ermo, em meio à natureza. A exuberância do ambiente, descrito com maestria, se contrapõe ao drama entre o conquistador indiferente e bruto e a pobre apaixonada que implora atenção mesmo sabendo que será abandonada.

“Uma brisa ligeira alisava o cimo das árvores. A floresta molhada mudava a todo momento de aspecto, conforme o sol brilhava ou se escondia”, nos diz Turgueniev, mostrando o outro lado da sua magnífica nação, que sempre vemos envolta na neve , na chuva, na ventania e no frio. Aqui, temos o esplendor da estação descrito por um mestre, que nos introduz o romance aparentemente bucólico como se houvesse uma traição á natureza, ou talvez, faça parte dela, pois se trata de paixão e crueldade, elementos recorrentes na vida natural. O importante é a força da narrativa, a originalidade do enfoque, que trabalha num território muito explorado, que é a descrição da paisagem.

Não são os temas escolhidos que fazem a diferença, mas sim o que você faz com eles. É a sua pena que conta, seu talento, seu domínio de linguagem. Não se pode é se entregar a soluções batidas por falta de competência ou de conhecimento. Acredito que tudo foi vedado à população, e por isso, mesmo com tanta oferta na rede digital, ficam, por falta de informação, sem acesso ao que há de melhor na cultura, impregnando-se de falsos ídolos, músicas ruins, literatura de pastiche. Há muita apelação. A indústria do espetáculo a tudo manipula e contamina. Ou temos os diluidores profissionais com suas histórias pífias mal escritas ou os pomposos falsos eruditos que fazem pose com suas obras suspeitas.

Difícil é achar a legitima manifestação do talento, que é uma soma de sabedoria, um conhecimento acumulado submerso que aflora num poema , conto ou romance. Em outra história do livro em questão, desta vez de autoria de Korolenko, um guarda se apaixona pela estranha prisioneira que ele escolta até os confins da Sibéria. É tocante ver a mulher tossindo nos rigores do inverno russo e aquele amor que penetra o texto como um veneno tardio.

É disso que somos feitos: da transcendência conseguida pela arte da palavra. Glória aos grandes escritores e rigor contra os enganadores.


RETORNO – 1.Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: obra de Vladimir Volevog.

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